Faltou virar a página na tomada de posse

Cavaco Silva prometeu lealdade institucional a um governo em que claramente não acredita.

A última frase do discurso de Cavaco Silva – “Desejo a Vossa Excelência (...) os maiores sucessos nas exigentes funções que agora iniciam” – soou estranha. Estranha, porque foi simpática. Estranha, porque contrastou com um tom de ameaça e de crispação que atravessou todo o discurso de Cavaco Silva na cerimónia de tomada de posse do XXI Governo Constitucional. O Presidente claramente não se conforma com o facto de as circunstâncias políticas o obrigarem a dar posse a um governo em que ele claramente não acredita. E não se cansa de repetir, até à exaustão, os seus recados e as suas desconfianças em relação à “estabilidade política e à durabilidade do Governo”.

Tem toda a legitimidade para o fazer, mas a cerimónia de tomada de posse deveria ter marcado um virar de página, se não na mensagem, pelo menos no tom. Até porque, ao ameaçar que não abdicará “de nenhum dos poderes que a Constituição atribui ao Presidente da República”, Cavaco Silva está a lançar uma ameaça que só ajuda a aumentar o já elevado tom de crispação política.

Uma ameaça que transforma esta outra frase do discurso – “Podem contar, este Governo e o seu primeiro-ministro, com a lealdade institucional do Presidente da República” – numa mensagem vã e oca de sentido. E o economista Cavaco Silva não resistiu à tentação de citar os relatórios da OCDE, do Conselho de Finanças Públicas e do Banco de Portugal para tentar colocar um espartilho às políticas económicas do novo Governo. Mas aqui voltou novamente a não calibrar bem o tom, ao classificar uma determinada visão para a economia como “verdades elementares de política económica”.

António Costa fez questão de lembrar a Cavaco que “é perante a Assembleia que responde politicamente” o Governo, mas não deixou de passar uma mensagem de moderação, programática e de discurso político, o que lhe ficou bem.

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