Navio polivalente entra no radar do inquérito aos programas militares
Augusto Santos Silva culpou Paulo Portas pela falta de força para defender interesses do Estado nas contrapartidas.
Depois de uma mão cheia de audições na comissão de inquérito aos programas militares, um dos ex-ministros da Defesa veio esta terça-feira colocar em causa a prioridade dada à aquisição dos submarinos pelo Estado português.
O ex-governante, Nuno Severiano Teixeira, assumiu no Parlamento que teria optado pela construção de um navio polivalente logístico em vez da aquisição dos dois submarinos para a Marinha. “Se me perguntar se essa devia ser a prioridade estratégica das Forças Armadas, eu diria que não, não era”, afirmou na comissão parlamentar de inquérito aos programas militares. Portugal devia ter adquirido “o navio primeiro e os submarinos depois”, precisou.A posição surgiu depois de ter sido questionado pela deputada do BE sobre o facto de o processo de aquisição dos dois submarinos ao consórcio alemão contemplar apenas um ano de garantia.
Tutelar da pasta entre 2005 e 2009, Severiano Teixeira defendeu que, na sua opinião, a “prioridade” devia ter sido o navio. Porque, dadas as responsabilidades do Estado português e a conjuntura internacional, “a maior probabilidade de emprego” era de um navio desse tipo, em vez dos submarinos. Isto apesar de considerar a capacidade submarina também “importante”. Mas, acrescentou, o navio polivalente “teria dado muito maior operacionalidade e muito maior visibilidade” a Portugal.
A posição de Severiano Teixeira contrastou com as de anteriores ministros da Defesa e do Chefe de Estado-Maior da Armada, que sempre defenderam a necessidade de não perder a capacidade submarinista da Marinha.
As afirmações causaram algum desconforto entre os deputados do arco governativo, tendo mesmo o ex-titular da pasta sido questionado sobre por que não tentou inverter a decisão no seio do Governo. A mesma questão foi colocada ao sucessor de Severiano Teixeira. O deputado socialista José Magalhães perguntou se era “irreversível” a definição dos submarinos como “prioridade estratégica”. Augusto Santos Silva, que foi ministro entre 2009 e 2011, limitou-se a afirmar que “nunca se definiu que os submarinos eram a prioridade número um, mas também nunca se definiu que a capacidade submarinista era para abandonar”. Mas deu a entender que considerava importante manter essa arma, invocando, por exemplo, a sua utilidade para o esforço de “alargamento da plataforma continental” sob responsabilidade portuguesa.
Horas antes, Severiano Teixeira precisara que a sua visão em relação ao navio polivalente tinha que ver com a evolução da “probabilidade de riscos e ameaças transnacionais” no mundo no início do século, que tornavam premente a existência na Marinha de um equipamento capaz de participar em “missões humanitárias” ou na “evacuação de cidadãos [portugueses] em situações de crise”.
Severiano Teixeira recordou aos deputados que a defesa desta sua posição foi feita ainda antes de ser ministro, “enquanto académico”, quando foi tomada a decisão da aquisição dos submarinos.
Sobre o polémico dossier das contrapartidas, a audição de Augusto Santos Silva foi mais assertiva do que a do seu antecessor. Ainda que de forma diplomática, o ex-governante apontou o dedo a Paulo Portas pela dificuldade em forçar os construtores e fabricantes de material militar a cumprir os contratos de contrapartidas.
Silva afirmou que o “Estado ficou muito limitado” para exercer pressão, por não ter sido celebrado um “contrato-quadro” que estava previsto desde 1999 e que faria implicar “eventuais repercussões de incumprimento de contrapartidas no conjunto da relação contratual”. “O Estado não usou neste processo todos os dispositivos ao seu dispor para a defesa dos seus interesses”, concluiu. Questionado sobre o deputado do BE sobre qual fora o Governo que prescindira desse contrato, Silva precisou que “era o que resultou das eleições de 2002”, ou seja, o liderado por Durão Barroso e que teve Paulo Portas como ministro da Defesa.
Quanto a Severiano Teixeira, citou “duas medidas” por si tomadas na área das contrapartidas que permitiram melhorar a execução das mesmas. A primeira foi a revisão do estatuto jurídico que definiu “o que podia ou não ser considerado como contrapartida”. A segunda abordou a operacionalização da Comissão Permanente de Contrapartidas com a “criação de uma estrutura independente com um corpo técnico próprio a tempo inteiro” e ainda “com recursos humanos e financeiros” para executar a sua missão. E garantiu que, depois dessas medidas, os contratos “tiveram maior taxa de execução”.