Europa tem de se unir para não acabar com o sonho europeu

Trump quer fazer a América grande outra vez e há quem acredite que até o estilo é uma questão de tempo até que a economia o dissipe. A resposta da Europa às mudanças no mundo só pode ser mais integração.

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Paulo Rangel organizou uma conferência em Bruxelas sobre os EUA e a Europa Nelson Garrido

Donald Trump is a builder” [Donald Trump é um construtor] assim mesmo no sentido de construtor civil e esse será um dos planos do novo presidente norte-americano para pôr a América a crescer em percentagens superiores a Obama. A experiência no sector privado do presidente eleito servirá também para que o vejam como “negociador” na política externa, mas isso pode não ser bom nem suficiente; tem de “dançar” com parceiros e inimigos para definir o papel da América. Será no cruzamento entre a política externa e a económica e financeira que se medirá o sucesso ou não de Trump. E onde fica o sonho europeu no meio de todas estas mudanças?

Para já, a conclusão que sai de uma conferência organizada em Bruxelas pelo Partido Popular Europeu é: perdido e expectante. As instituições europeias estão a atravessar um período de definição de lideranças que só ficará claro no decorrer do ano de 2017. Além das eleições na Alemanha, Holanda e França, juntam-se as mexidas nas próprias instituições europeias: as mudanças na equipa da Comissão Europeia; a alteração da presidência do Parlamento Europeu com a saída de Martin Schulz; a mudança na presidência do Conselho, com a saída de Donald Tusk; e por fim, até com as alterações nas presidências dos grupos parlamentares europeus. O Partido Popular Europeu já fechou esse capítulo, o do Partido Social Europeu joga-se por estes dias.

Mas a resposta não é só institucional como também de política e políticas. “A primeira mensagem é que a Europa tem de se unir e pensar em como ter um papel transnacional”. Quem o diz é Michael Maibach, um republicano apoiante de Donald Trump e que foi presidente do European-American Business Council, numa conferência do Partido Popular Europeu sobre os efeitos da eleições norte-americanas.

Maibach acredita que há uma lição a retirar da eleição de Trump que passa por saber que tem de haver uma resposta à ideia de que os governos estão a falhar e que a de Trump passou por mostrar que a América é um país, que o sonho americano está vivo. A lógica de unidade, acredita o republicano, faz parte do estilo do novo presidente dos EUA que no dia-a-dia vai fazer uso das suas capacidades de “negociador” e de uma política de “mainstream”. “Será um presidente anti-Kissinger”, ou seja, seja na política económica seja na política externa - mas sobretudo na externa - será sobretudo pragmático, nunca saindo da trincheira dos interesses americanos em primeiro lugar. Mas para o republicano, o estilo não será um problema: “Vai dissipar-se com os seus sucessos, se ele tiver sucesso a baixar os impostos, a crescer o PIB”.

É a esta nova maneira de fazer política que os parceiros como a União Europeia têm de lidar? A resposta, defende Peter Chase, outro americano, mas apoiante de Barak Obama, que foi vice-presidente para a Europa da Câmara do Comércio norte-americana e hoje diplomata do German Marshall Fund, tem de ser melhor Estado e mais sector privado. Mas também uma resposta de narrativa política: “Se conseguirmos reconstruir a narrativa que conseguiremos fazer de todos mais ricos, vamos todos beneficiar”.

Este democrata olha para Trump com uma agenda económica muito dispendiosa que se assemelha em tudo ao que fez Ronald Reagan. E a resposta por cá tem de ser diferente: não basta despesa do Estado. Em conversa com o PÚBLICO, defende um misto entre mais integração e mais responsabilidade para os estados fazerem as suas escolhas económicas e financeiras. “Não é suficiente pedir ao governo para fazer tudo, o sector privado também precisa de ser visto como um agente de crescimento”, defende Chase, participante na conferência do PPE “The outlook for the US presidencial elections and beyond”, no Parlamento Europeu.

Peter Chase diz não ter a fórmula mágica, mas acredita que em parte as restrições impostas aos estados são a fatia de leão do problema, sobretudo o Pacto de Estabilidade e Crescimento que impõe “números artificiais” para o défice e para a dívida. E por falar em dívida, para o democrata, estados como Portugal deveriam ter a capacidade de “assumir dívida”.

Mas antes, a União Europeia tem de fazer esses debates, de como gerir “responsabilidade e autoridade” e de como gerir as dívidas, sobretudo nos países com dívidas demasiado elevadas e que são economias jovens a precisar de crescimento. “Nós não podemos pensar que não temos de resolver os problemas das dívidas”, disse mais tarde o eurodeputado social-democrata Paulo Rangel promotor da conferência.

Para o social-democrata, as eleições na Alemanha contam, bem como as eleições na Holanda e na França, para o cenário político europeu estabilizar e não ignora que tem de haver solução para as dívidas públicas, mas essa solução não passa pela sua renegociação. “É evidente que esse problema se resolve com mais crescimento e acho que tem de haver mais investimento”, disse, acrescentando depois que também não se resolve se não “houver confiança entre os estados” e essa fomenta-se com o cumprimento das regras.

E agora Europa? A resposta será dada ao longo dos próximos meses que serão, nas palavras de um conservador britânico anti-Brexit, Charles Tannock, “tempos interessantes”. 

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