A Europa está cada vez mais longe dos jovens portugueses

Falta de debate e disputas partidárias centradas em questões nacionais estão entre as principais causas apontadas para o desinteresse dos jovens relativamente às europeias.

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O único órgão para o qual os cidadãos são chamados a votar é o Parlamento, que tem uma capacidade de actuação limitada FREDERICK FLORIN/AFP

Nas últimas eleições para o Parlamento Europeu, o valor média da abstenção europeia fixou-se nos 57%, sendo que em Portugal ultrapassou já os 60%. A dois meses de novas eleições não há como não olhar com preocupação para os dados que reflectem o afastamento da população face aos assuntos europeus e, particularmente, para o desinteresse dos mais jovens, que são os que menos votam.

As eleições europeias sempre registaram níveis de abstenção elevados quando comparadas com as legislativas de cada país. Em Portugal, por exemplo, a diferença entre as taxas de participação nas europeias de 2009 e nas legislativas de 2011 ultrapassou os 20 pontos percentuais. A legitimação do Parlamento Europeu por parte dos cidadãos tem vindo a diminuir, nomeadamente no segmento jovem, situação que muitos consideram preocupante e que várias organizações europeias e portuguesas têm procurado reverter.

Manuel Loff, historiador e docente na Universidade do Porto, no departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais, diz que os números não o surpreendem uma vez que “no geral, os mais jovens e os mais idosos são sempre os que menos votam em todas as eleições”. O historiador considera que o problema não é o distanciamento da Europa mas da política em geral.

O desinteresse dos jovens em relação ao que se passa na Europa pode ter múltiplas causas e o alheamento dos assuntos políticos não pode ser a única explicação. Bruno Ferreira Costa, investigador na área das ciências sociais e políticas e autor do livro A abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu considera que esta situação reflecte um paradoxo. “É curioso que os jovens sejam os que mais se abstêm porque na verdade são eles também os que mais directamente beneficiam da cidadania europeia através de programas como o Erasmus ou mesmo da livre circulação e comércio”.

Jéssica Costa, estudante de Línguas e Relações Internacionais corrobora a opinião de Ferreira Costa. Não compreende que os jovens não se interessem pela Europa quando “a Europa já fez tanto pelos jovens”. Manuel Loff, pelo contrário, não encontra motivos para grandes espantos: “Não me surpreende que os jovens não votem e creio que é razoável que quem se sente defraudado nas suas expectativas não sinta qualquer motivação para ir às urnas”.

O historiador evoca questões essencialmente conjunturais. Os jovens são um dos segmentos da população mais afectados pelo flagelo do desemprego, vêem-se obrigados a emigrar em busca de oportunidades de trabalho e, muitas vezes, não têm sequer possibilidade de ingressar ou concluir a sua formação no ensino superior. E nestes casos é sobretudo um sentimento de frustração pela incapacidade das instituições europeias de responder aos seus problemas que leva os jovens a desistir do voto.

Na realidade, “nem podem chamar-se eleições europeias, são eleições para o Parlamento Europeu”, faz questão de dizer Bruno Ferreira Costa. O único órgão para o qual os cidadãos são chamados a votar é o Parlamento, que tem uma capacidade de actuação limitada e, na opinião de muitos, insuficiente para fazer valer as suas decisões, argumenta o historiador. “É muito lógico que não votem para o Parlamento Europeu porque o seu voto altera pouquíssimo. Se pudéssemos eleger a Comissão Europeia ou até mesmo ter algum poder de decisão no Banco Central Europeu, isso poderia alterar a percepção da utilidade do voto, e dar-nos-ia a capacidade efectiva de mudar alguma coisa”, conclui Loff.

Francisca Matos é uma jovem portuguesa de 20 anos e está a tirar uma licenciatura. Em poucas palavras, Francisca sustenta a perspectiva de Loff. “Ainda não decidi se vou ou não votar. Não estou muito informada sobre os candidatos e as políticas propostas”, justifica. Quanto às razões para o desinteresse, Francisca é rápida na resposta: “Não sinto que as políticas europeias tenham grande impacto na minha vida."

É sobretudo por esta razão que o historiador defende com convicção que “não são os jovens portugueses que são alheios à política europeia. É a União Europeia que tem um défice democrático. Permitem-nos eleger um órgão - o Parlamento Europeu - que quase não tem competências. É uma espécie de despotismo esclarecido, ou se quisermos, despotismo tecnocrático em versão século XXI.”

O debate público
Em Portugal pouco se discutem as questões relacionadas com a Europa e mesmo em altura de campanha para as eleições do Parlamento Europeu, o conhecimento da população acerca dos candidatos e das políticas em questão acaba, no geral, por ser insuficiente para ir votar ou, pelo menos, para o fazer em consciência. As discussões políticas que se ouvem na praça pública são, na sua maior parte, disputas partidárias sobre questões nacionais que deixam de lado a política europeia.

Alberto Seixas, estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Porto, põe a tónica nesta questão. “Falta discussão e debate público sobre as questões europeias. Há falta de informação e isso leva ao desinteresse e, aqui, a comunicação social é culpada, mas os partidos também.”

Para Bruno Ferreira Costa, esta questão é visceral: os partidos políticos dificultam o esclarecimento acerca dos assuntos europeus uma vez que “as campanhas e os debates das eleições para o Parlamento Europeu são muito nacionais. Os partidos aproveitam para responsabilizar a Europa pelas más políticas, mas raramente a valorizam pelas boas. As questões europeias não são debatidas no nosso país. Não se fazem referendos sobre estas questões: não se referendou a entrada para a União e não se referendou a adesão ao euro, por exemplo.”

Há ainda a questão do voto como direito adquirido. Os jovens entre os 18 e os 24 anos (segmento onde os níveis de abstenção nas eleições europeias foi mais elevado – 70%) não viveram a opressão da ditadura, não sabem qual é o sentimento da luta pela liberdade do voto e, por isso, “não o valorizam tanto”, afirma Ferreira Costa.

Nesta questão, o jovem Alberto Seixas discorda. “Felizmente ouvimos muitas vozes do tempo do 25 de Abril que, apesar de poderem ser da opinião de que o ideal democrático da altura ainda está incompleto, acreditam que a liberdade de voto compensou tudo”, argumenta. Alberto Seixas está convencido que, mesmo não tendo vivido a ditadura, “os jovens estão conscientes da importância da liberdade conquistada”.

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