Este país é só para burros?

A troika veio – e já veio tarde – por uma razão muito simples: nós não nos soubemos governar.

Existe um novo acontecimento que está a concorrer taco-a-taco com a pizza de pepperoni e extra-queijo para a categoria de facto mais absurdo da campanha: a discussão sobre quem é que chamou a troika.

O PSD acusa o PS de ter chamado a troika. O PS acusa o PSD de a troika ter chamado. Eduardo Catroga acusa António Costa de querer reescrever a história. Pedro Silva Pereira acusa Eduardo Catroga de falsidades históricas. Pedro Mota Soares recorda – “momento Memofonte”, disse ele – que a troika foi chamada por José Sócrates. Os jornais enchem-se de artigos sobre o tema “afinal, quem chamou a troika em 2011?”. O próprio PÚBLICO fez ontem manchete com uma carta confidencial de Passos Coelho apoiando a vinda da troika. E eu vou tentar explicar porque é que tudo isto é muito mais grave do que o recheio de uma pizza.

A não ser que alguém tenha estado exilado em Marte nos últimos cinco anos, a recordação daquilo que se passou em 2011 estará com certeza bem presente na memória de todos: a troika veio empurrada por Teixeira dos Santos, Sócrates fez tudo para a evitar e atribuiu a culpa ao PSD, por ter chumbado o PEC IV. O memorando foi assinado por PS, PSD e CDS e a influência que o PSD teve na sua elaboração é irrelevante: após ganhar as eleições, Passos Coelho assumiu-o, de facto, como programa de governo, com um entusiasmo que foi perdendo com o tempo. A receita dos cortes sugerida pela troika – dois terços despesa, um terço receita – nunca foi aplicada, acabando a economia sobrecarregada com impostos. O governo culpou o Tribunal Constitucional e os seus chumbos sucessivos. A oposição disse que foram esses chumbos que salvaram o país de uma recessão ainda mais profunda. Toda a gente sabe isto de cor e salteado.

O que, pelos vistos, nem toda a gente sabe, ou finge não saber, é este facto cristalino e simplíssimo, que acho espantoso que ainda seja preciso recordar: a troika salvou o país da bancarrota. Podem argumentar que a sua verdadeira e terrível intenção era resgatar os bancos alemães e que todo o mundo é comandado a partir de uma cave de Bilderberg, mas até Francisco Louçã admitirá que em Abril de 2011 já não restava outra alternativa ao governo que não fosse pedir um programa de assistência para evitar uma falência descontrolada do país. Pode certamente discutir-se o programa da troika, a sua eficácia e os seus efeitos. Mas discutir a vinda da troika? Discutir quem chamou a troika, como se a decisão tivesse sido errada? Está tudo doido? É como um náufrago querer saber quem foi o pulha que o salvou de morrer afogado por ter ficado com duas costelas partidas durante as manobras de reanimação.

Isto, sim, é grave, porque pela enésima vez na nossa História andamos à procura de um bode expiatório para evitar a admissão das nossas falhas e o confronto com os nossos erros. A troika veio – e já veio tarde – por uma razão muito simples: nós não nos soubemos governar. E quanto a isso, PS e PSD podem alegremente repartir as suas culpas. Andar a discutir quem chamou a troika é, mais uma vez, iludir aquilo que deveria estar a ser discutido nesta campanha: porque é que ela veio e o que fazer para que não volte. No Brasil, “tudo acaba em pizza” significa que após longa e fervorosa discussão tudo acaba exactamente como começou. Tragicamente, é também essa a nossa pizza favorita. Com ou sem pepperoni, continuamos a abocanhá-la como se não houvesse amanhã – mas, sobretudo, como se não tivesse havido ontem. 

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