Estado assinou um contrato com a Ferrostaal e, dois meses depois, pagou um parecer jurídico sobre a sua legalidade

Decisão de Álvaro Santos Pereira de prolongar, por quatro anos, o prazo para que os alemães cumprissem o acordo dos submarinos foi baseada num documento assinado por Nuno Morais Sarmento

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Daniel Rocha

Há outro ex-ministro do Governo que, em 2004, assinou os contratos de compra dos submarinos ao consórcio alemão GSC, a ter uma acção no caso das contrapartidas.

Nesta comissão parlamentar de inquérito têm sido abundantemente questionadas as acções de Paulo Portas (à época ministro da Defesa) e de Durão Barroso (chefe do Executivo) e até do ex-assessor de Barroso, Mário David, que o PS quer ouvir neste inquérito. Desta vez é o antigo ministro da Presidência do Governo de Durão Barroso, Nuno Morais Sarmento, que surge, como advogado, em representação da sociedade PLMJ, a dar um parecer ao ex-ministro da Economia, do actual Governo, Álvaro Santos Pereira, sobre a renegociação das contrapartidas dos submarinos.

Nesse parecer, que foi entregue agora pelo Ministério da Economia aos deputados da comissão de inquérito, Morais Sarmento garante que é “perfeitamente lícita a renegociação desses contratos”. O problema é que o faz no dia 17 de Dezembro de 2012, mais de dois meses depois de o ministro ter assinado com o German Submarine Consórcio um contrato de renegociação das contrapartidas. O contrato, assinado por Santos Pereira, é de 1 de Outubro de 2012, e foi assinado escassos três dias antes de haver, oficialmente, um incumprimento contratual por parte dos alemães.

Esse contrato garantiu ao GSC um período extra de quatro anos para cumprir as metas que tinha acordado com o Estado em 2004. Em 10 anos, como é do conhecimento público, essas contrapartidas não foram cumpridas. Nuno Morais Sarmento escreve que, além de lícita, a decisão de Santos Pereira é correcta: “A alternativa seria só uma: recurso a processos arbitrais, cujo desfecho seria incerto. Para além disso, teríamos de suportar custos consideráveis, com o processo arbitral e com o patrocínio judicial.”

Este ponto é, em si, discutível, uma vez que o mesmo Governo de que Santos Pereira fez parte decidiu accionar, em Outubro de 2013, a garantia bancária de 11,6 milhões de euros, por incumprimento das contrapartidas noutro negócio militar, o dos torpedos, com outra empresa, a italiana WASS. 

No caso da Ferrostaal, Álvaro Santos Pereira decidiu-se por outro caminho. No Parlamento,  em Julho, respondendo ao deputado José Magalhães, do PS, o ex-ministro garantiu que tomou a decisão apoiado em pareceres jurídicos. O deputado requereu, então, ao Ministério da Economia que fossem divulgados esses pareceres. O único que chegou foi aquele que agora referimos. Onde Nuno Morais Sarmento, em conjunto com Pedro Melo, defende, em poucas palavras, a decisão do ministro. Depois de esta ter sido tomada.

Agora, José Magalhães quer saber se este é mesmo, como parece ser, o único documento que justifica a decisão do ex-ministro. “Se não aparecer outro parecer é um comportamento ilegal”, avança José Magalhães, uma vez que em resposta à suas perguntas Santos Pereira garantiu ter-se socorrido de pareceres “antes” de assinar o contrato.

“Outra resposta incompleta: quem é que interveio nestas conversas que concedem praticamente uma amnistia?”, questiona o deputado, que pretende entregar, esta segunda-feira, um requerimento para esclarecer esta matéria. Entretanto, o parecer assinado por Nuno Morais Sarmento já levou a que o PS entregasse um outro requerimento, dirigido ao Ministério da Economia. Com duas perguntas: Quanto foi pago pelo parecer? Há outro, tal como “foi asseverado” por Santos Pereira?

Mas esta decisão, de prorrogar o prazo de cumprimento da Ferrostaal, teve dois outros efeitos. Um deles foi o de dar um importante argumento aos arguidos que, nesse preciso momento, respondiam num julgamento da 6ª vara criminal de Lisboa, por fraude nas contrapartidas. Logo que foi renegociado o contrato, os três arguidos alemães pediram ao tribunal a “extinção do procedimento judicial” de que eram acusados. Se o contrato tinha sido alterado, não podia haver burla, era resumidamente o que alegavam. O tribunal não lhes deu razão, nessa altura, mas em Fevereiro todos os arguidos acabaram por ser absolvidos.

Morais Sarmento também se refere a esta possibilidade: “A renegociação do contrato de contrapartidas originário dos submarinos, não colide com o processo criminal em curso (é certo que os Advogados dos arguidos defendem o contrário, mas por razões óbvias).”

Mas uma nova polémica nasceria, ainda. O contrato que Álvaro Santos Pereira assinou tinha por base um investimento concreto da Ferrostaal: uma unidade hoteleira de luxo no Algarve, o projecto Alfamar. Que, pouco tempo depois, faliu sem nunca ter passado da fase de projecto. Agora, a renegociação teve de ser… renegociada. E o investimento passou a ser, já durante o mandato de António Pires de Lima, canalizado para um projecto de energia eólica.

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