ERC notifica Jornal da Madeira para alterar estatuto editorial

Entidade reguladora contesta que jornal detido a 99,9% pelo governo regional se apresente como "um diário de perspectiva cristã".

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A capa de hoje do Jornal da Madeira DR

A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instar a empresa e o director do Jornal da Madeira (JM) a procederem à alteração do estatuto editorial dessa publicação periódica, tendo em conta a necessidade imperiosa de o mesmo estar em conformidade com a Lei de Imprensa.

O conselho regulador da ERC, em deliberação aprovada por unanimidade em reunião realizada a 29 de Outubro, decidiu também abrir um processo de contra-ordenação à empresa proprietária do JM, por esta manter, em violação com a Lei de Imprensa, “um estatuto editorial que não é claro quanto à orientação e objectivos” do Jornal da Madeira, conduta que é punida com multa.

A instauração do presente procedimento foi decidido por ter a ERC verificado que “continua por acatar a recomendação deixada” numa deliberação de 2012, cujo projecto foi divulgado pelo PÚBLICO (8/6/2012), “não encetando a empresa proprietária do Jornal da Madeira a alteração do estatuto editorial da publicação, o qual é manifestamente desadequado para um órgão de comunicação social detido maioritariamente pelo Estado”.

Notificados, em separado, para se pronunciarem sobre a matéria objecto do processo, a empresa e o director do JM alegaram, numa pronúncia conjunta, que a ERC “é incompetente para instauração e prossecução do processo”, que “é infundada a pretensa desconformidade do estatuto editorial do Jornal da Madeira com o artigo 17.º da Lei de Imprensa” e que não recai sobre a empresa, sobre o director, ou “tão-pouco sobre a Região Autónoma da Madeira”, accionista maioritário (99,9%) da empresa, “o dever de alterar o referido estatuto editorial.

Invocaram que cabe ao sócio minoritário, o seminário diocesano, nos termos do pacto social da empresa, dispor de “poderes exclusivos” para nomear e substituir o director, bem como definir a orientação do jornal e ainda de poder para vetar qualquer alteração ao regime de publicação do jornal”.

“É inconcebível que a circunstância de uma publicação privada passar para o Estado, com os objectivos de interesse público que estarão necessariamente associados a essa operação, não se encontre reflectida nessa cartilha de valores que é o estatuto editorial, nada lhe acrescentando ou diminuindo”, frisa a ERC.

A entidade reguladora, numa deliberação de 2010, instou a Região Autónoma, enquanto sócia maioritária da empresa, a reformular o estatuto editorial. Tal derivava do facto de o estatuto caracterizar o Jornal da Madeira como “um diário de perspectiva cristã, aberta a um são pluralismo ideológico, na fidelidade ao Evangelho”. Para o conselho regulador, que rejeitou a argumentação da empresa – que em sua defesa invocou o passado histórico do jornal fundado pela diocese, que é ainda sócia minoritária –, aquela situação “não se configura conforme, num jornal editado por uma empresa pública, ao princípio constitucional da separação entre as igrejas e o Estado”. 

A Lei de Imprensa, lembra a ERC, diz que o estatuto editorial de uma publicação periódica informativa deverá definir “claramente a sua orientação e os seus objectivos”, para além de incluir o compromisso de assegurar o respeito pelos princípios deontológicos e pela ética profissional dos jornalistas, assim como pela boa-fé dos leitores. Devendo constituir ainda referência para os jornalistas que trabalham na publicação, nos termos do Estatuto do Jornalista, que, em caso de alteração profunda na linha de orientação ou na natureza do órgão de comunicação social, permite ao jornalista requerer a cessação da relação de trabalho com justa causa.

Dois anos depois, a ERC reiterou o teor da deliberação de 2010, quanto à “subsistência de um risco objectivo e grave para a preservação de um quadro pluralista no subsector da imprensa diária na Região Autónoma da Madeira, que justificará a adopção de medidas, da parte do governo regional, que suprimam os efeitos nefastos que a sua actuação tem provocado”.

A decisão acrescentava que “o modelo e sustentabilidade da política de fixação de preço de capa e distribuição gratuita do Jornal da Madeira levantam várias interrogações e é susceptível de perturbar o funcionamento do mercado da imprensa escrita na Região Autónoma da Madeira, em termos da sua transparência e equidade”. Por este motivo decidiu remeter estes factos à Autoridade da Concorrência, para apreciação e possível actuação.

Capital próprio negativo: 50 milhões
O controlo do JM pelo governo regional tem sido contestado por toda a oposição madeirense e, nos últimos tempos, pela generalidade dos candidatos à liderança do PSD, que defendem a privatização da empresa, tecnicamente falida com o capital próprio negativo de cerca de 50 milhões de euros. Acusam também Alberto João Jardim de, como fez no passado relativamente aos adversários políticos, instrumentalizar o jornal através da sua coluna diária e de outros artigos contra os concorrentes internos à sucessão.

Há três décadas criticado pela oposição regional por falta de isenção e pluralismo, o JM foi alvo de várias iniciativas legislativas a pedir a sua privatização, todas chumbadas pelo PSD, e de petição pública, em que milhares de madeirenses se insurgiram contra a participação do governo regional no seu capital e contra a atribuição de subsídios ao "grande meio de propaganda do Governo Regional da Madeira".

Mas Jardim tem mantido a continuidade dos apoios oficiais, garantindo que, enquanto "for o presidente do governo, vai existir Jornal da Madeira, nem que seja revolucionariamente". O Orçamento da Madeira para 2013 atribui 4,7 milhões de euros à Empresa Jornal da Madeira, representando um peso de 10% das despesas das empresas públicas classificadas. Entre 1993 e 2014, recebeu do governo um apoio total que ultrapassa os 50 milhões de euros.

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