ERC abriu processo para investigar suspensão da revista Análise Social

Declaração pública contra a suspensão da revista, lançada na sexta-feira por 170 especialistas nacionais e internacionais, já vai em 360 subscritores. Regulador dos media vai interrogar o director do ICS e o director da Análise Social.

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A suspensão da revista científica Análise Social por causa de um artigo do sociólogo Ricardo Campos ilustrado com graffiti críticos das políticas do Governo, decidida há duas semanas pelo director do Instituto de Ciências Sociais (ICS), vai ser alvo de um processo de averiguação pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Serão ouvidos os directores do ICS e da revista.

A decisão do regulador foi tomada na reunião da passada quarta-feira, confirmou ao PÚBLICO o vice-presidente do regulador. Alberto Arons de Carvalho afirmou que pelo menos até quinta-feira não foi recebida na ERC qualquer queixa, mas é normal que em casos mais mediáticos, como este, o Conselho Regulador acabe por tomar a iniciativa de abrir um inquérito. A ERC tem competência para actuar neste caso porque a Análise Social está registada no regulador dos media como publicação periódica, especificou aquele responsável.

Serão ouvidos em breve a direcção da revista, liderada pelo antropólogo João de Pina Cabral, actualmente a dirigir a escola de Antropologia e Conservação da Universidade de Kent, em Inglaterra, e o director do ICS, José Luís Cardoso.

A suspensão da revista na internet e da sua circulação impressa - já estavam prontas algumas centenas de exemplares que José Luís Cardoso afirmou que iriam ser destruídos - pode configurar uma ingerência da direcção do ICS numa questão editorial sobre o conteúdo da publicação, que diz respeito apenas ao Conselho de Redacção da revista, e cuja decisão foi tomada à revelia dos responsáveis editoriais da Análise Social.

A declaração tornada pública na passada sexta-feira em que 170 personalidades nacionais e estrangeiras das mais diversas áreas das ciências e investigação se afirmam contra a suspensão da última edição da Análise Social chegou, no domingo à noite, aos 360 subscritores. No texto, os especialistas das mais diversas áreas consideram que a decisão desrespeita a independência académica da publicação e solidarizam-se com o autor. A declaração continua aberta para subscrição.

Entre outros nomes, juntaram-se agora, por exemplo, sociólogos, cientistas políticos e juristas como André Freire (ISCTE-IUL), Pablo Pozzi (Universidad de Buenos Aires), Elísio Estanque (Universidade de Coimbra) ou Maria Eduarda Gonçalves (ISCTE-IUL); o catedrático Gaspar Martins Pereira (Universidade do Porto) e o professor emérito Vítor Matias Ferreira (ISCTE-IUL); vários investigadores do ICS, a ele associados ou que aí realizam ou realizaram os seus estudos, como Francesco Vacchiano (ICS-UL), Susana Boletas (ICS-UL), Tiago Saraiva (Drexel University) ou Diego Palacios Cerezales (Stirling University).

Na lista estão também figuras da academia e do campo cultural, como Diana Andringa, jornalista e investigadora do CES da Universidade de Coimbra, Carlos Vargas, presidente do conselho de administração do Teatro D.Maria II e investigador da Universidade Nova de Lisboa, ou a documentarista Susana Sousa Dias, professora na Universidade de Lisboa, assim como cientistas de outras áreas do campo científico, como o catedrático António Betâmio de Almeida (IST) ou o oceanógrafo Mário Ruivo.

Conselho redactorial diz que tinha autonomia para decidir publicação
Na altura em que o caso foi conhecido, o director do ICS disse ao PÚBLICO que a decisão era unicamente sua, e se devia ao facto de o ensaio visual de Ricardo Campos conter “imagens e mensagens que eram susceptíveis de pôr em causa o bom nome e a imagem do ICS e da revista”.

José Luís Cardoso argumentava que se trata de um "texto reduzido, que não é sobre aquelas imagens em concreto", e que o conjunto dos graffiti publicados "não está explicado, enquadrado ou contextualizado" e por isso as imagens podiam ser “entendidas como provocatórias e banais”. Chegou mesmo a afirmar que o trabalho era de “mau gosto e uma ofensa a instituições e pessoas que não podia tolerar”.

E somava ainda a justificação de que o ensaio não seguira os preceitos da revista, ou seja, “apesar de aprovado pela equipa redactorial da revista, não foi submetido ao indispensável processo de avaliação e arbitragem” por consultores externos, a chamada peer review, que José Luís Cardoso classificava como uma “regra fundamental de qualquer publicação de âmbito académico”.

João de Pina Cabral e a maior parte dos membros do conselho redactorial que nos últimos três anos e meio dirigiram a revista emitiram então um comunicado em que diziam discordar “profundamente deste acto, que associam a um gesto de censura” e a uma ingerência “sobre a isenção científica da revista”. Ao PÚBLICO, Pina Cabral contestou a teoria de José Luís Cardoso sobre a peer review: “As normas escritas e públicas da revista estipulam que os ensaios visuais, como é o caso, não são sujeitos a peer review, bastando-lhes a aprovação do conselho redactorial.”

E defendeu que o que está em causa nesta questão são “os valores da isenção científica em Portugal. E se a vida económica chegou a tal ponto em que consegue levar a que seja posta em causa a regulação da ciência, então tudo isto é muito grave”.

Entretanto, o director do ICS enviou na sexta-feira um email à comunidade científica do instituto onde afirma que “o acto de suspensão reveste carácter preventivo e provisório e aguarda apreciação e deliberação do Conselho Científico”, marcada para dia 14. “É a este órgão de gestão que compete pronunciar-se sobre a orientação editorial da Análise Social”, acrescenta, numa atitude que tem sido lida no ICS como uma porta aberta para voltar atrás na decisão. Que pode mesmo acontecer agora que o assunto chegou ao regulador dos media.

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