Empreendedor, eu?

É verdade que há muitos empreendedores por cá. Mas esses estão cá apesar das, não graças às, políticas de sempre do Estado português.

É muito bonito usar o palco da WebSummit para anunciar que este será o país do empreendedorismo. Mas não chega. Promover o empreendedorismo para lá da superfície implica mudanças estruturais que contrariam o discurso da maioria que suporta este Governo.

São Francisco e Berlim não nasceram em websummits. Nasceram de uma cultura que promove o risco, que é capitalista, que estimula empreendedores e que promove a mobilidade social. Nasceram de visões de Estado que forçaram uma estratégia industrial de longo prazo que estimulou a criação de empresas em nichos tecnológicos. Nasceram de um Estado mais eficiente que presente, que acha mais importante garantir que os serviços públicos funcionam do que discutir se alguém se torna rico aos 500 mil, aos 600 mil ou aos 750 mil euros.

O Governo quer promover o empreendedorismo? Então terá de facilitar a vida aos pequenos empresários, começando por rever o funcionamento kafkiano dos serviços de Finanças - que estão mais preocupados em cumprir as quotas de multas do que em permitir um funcionamento equilibrado da economia.

O Governo quer apostar na economia das ideias? Então tem de despenalizar os recibos verdes e o trabalho independente, que são o habitual motor de uma economia criativa – deixando de forçar a economia paralela que é hoje norma nos pequenos negócios.

O Governo quer pôr os jovens a trabalhar e promover a aquisição de competências? Então terá de reabilitar os programas de estágios, permitindo a formação em ambiente de trabalho – fazendo-o obviamente de forma rigorosa e controlada para prevenir abusos.

O Governo quer estimular o negócio? Então terá de fazer apostas em indústrias tecnologicamente relevantes e recorrer a pequenas empresas locais para fornecimento de soluções – porque ninguém sabe hoje qual é a visão estratégica de Portugal a 50 anos.

O Governo quer renovar a investigação científica? Então terá de rever o funcionamento das universidades, acabando com a cultura catedrática que impede a renovação do corpo docente e promove o imobilismo das ideias – facilitando a introdução de novas formas para transmitir conhecimento.

É verdade que há muitos empreendedores por cá. Mas esses estão cá apesar das, não graças às, políticas de sempre do Estado português. Essas vão ao arrepio de tudo o que faz sentido numa cultura de empreendedorismo. Qualquer um dos caminhos é legítimo, mas dizer uma coisa no palco da WebSummit para ficar bem na fotografia e depois trair o que se disse é feio. 

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