Embraer ameaça executar “cobrança coerciva” ao Governo português

Brasileiros não querem distribuir dividendos nas OGMA. Em causa está um diferendo com o Ministério da Economia português sobre verbas no programa KC-390.

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Rui Gaudêncio

A situação caricata aconteceu no mesmo dia em que o vice-primeiro-ministro se passeava pelas OGMA, vangloriando-se de ter salvado uma das empresas da indústria de defesa portuguesas. No dia 6 de Abril, Paulo Portas compareceu “emocionado” em Alverca do Ribatejo para testemunhar os dez anos de sucesso da privatização das Oficinas Gerais de Material Aeronáutico (OGMA).

“Se tivesse sido o Estado a investir haveria sempre um bom motivo qualquer ligado às crises financeiras para que o Estado não conseguisse investir nesta empresa e esta empresa teria soçobrado”, discursou Portas ao lado dos presidentes da Embraer (accionista maioritário nas OGMA) e do embaixador do Brasil em Lisboa.

No entanto, nesse mesmo dia, os representantes portugueses do Estado português seriam surpreendidos por uma decisão do accionista maioritário nas OGMA. Durante a assembleia-geral, percebeu-se que a Embraer não queria os dividendos relativos a 2014 distribuídos pelos accionistas. Tendo uma participação de 65% na empresa, os brasileiros tinham toda a legitimidade e poder para o fazer, perante os 35% detidos pelo Estado português através da holding estatal Empordef. O argumento oficial utilizado para a decisão foi a necessidade de “investimento” a realizar na empresa. Nomeadamente para a aquisição de um novo sistema de pintura. Pouco depois viria a tornar-se óbvio para a parte portuguesa a verdadeira razão: a Embraer considerava-se credora de 9,5 milhões de dólares num processo que se arrasta há alguns meses.

A posição da Embraer nas OGMA foi, portanto, vista em Lisboa como o sinalizar do mal-estar brasileiro. Ou seja, uma espécie de “cobrança coerciva” ao Estado português à conta do citado “buraco” no programa dos KC-390. Desde o início de 2012 que a Embraer detém dois terços das acções das OGMA. Nesse ano, comprou os 30% que a europeia EADS detinha na empresa portuguesa.

Ao que o PÚBLICO apurou, o Estado português perde assim pouco mais de 500 mil euros com que contava. No ano passado, as OGMA registaram um resultado líquido de cerca de seis milhões de euros. A participação de 35% da Empordef nas OGMA garantia-lhe esse meio milhão de euros de mais-valias.

O inesperado da decisão levou a uma reunião na passada segunda-feira, dia 27, onde os representantes portugueses solicitaram à Embraer a “demonstração das necessidades e o destino” das verbas previstas inicialmente para a distribuição de dividendos. Ainda assim, o assunto não está ainda resolvido, tendo sido adiada a decisão para nova Assembleia Geral, marcada para a próxima quarta-feira, dia 6 de Maio.

É precisamente esse compasso de espera que permite ao Ministério da Defesa responder ao PÚBLICO de forma evasiva. Através do assessor do gabinete de José Pedro Aguiar-Branco, foi dito que o ministério “não tem conhecimento oficial dessa situação”.

Desde há meses que a empresa brasileira e o Ministério da Economia estão enredados num braço de ferro a propósito do programa KC-390 (o avião de transporte militar da Embraer que é parcialmente construído em Portugal). Portugal está envolvido no projecto do KC-390 através do CEiiA, Centro de Excelência para a Inovação e Indústria (desenvolvimento e testes) e das unidades da Embraer no país: as OGMA, em Alverca, e as fábricas de Évora (construção de componentes). O contrato inicial foi assinado em Dezembro de 2011, quando Álvaro Santos Pereira tutelava a pasta da Economia.

Os responsáveis brasileiros consideram-se credores de dinheiros públicos no âmbito do programa celebrado com o Estado português para desenvolvimento desse projecto. O contrato incluía 30 milhões de dólares de contribuições directas a que acresciam outros 9,5 milhões de financiamento indirecto a partir de verbas europeias do QREN. O problema está, ao que tudo indica, no facto dessa última parte ter ficado muito aquém do objectivo final de quase 10 milhões.

Questionado pelo PÚBLICO, Hervé Tilloy, o responsável pelas relações públicas da Embraer na Europa, afirmou: "Não confirmamos essa decisão." Sobre o KC390, Tilloy disse apenas que o processo "está a fazer o seu progresso, como planeado". E acrescentou que não há "nenhum problema" entre a Embraer e o Estado português.

A Embraer considera que existe um compromisso português de fazer chegar esse financiamento. A parte portuguesa, através do ministério da Economia, argumenta que assumira apenas a intenção de fazer “diligências” para o conseguir, sem garantia de resultado satisfatório.

Ao que o PÚBLICO apurou, o problema do programa KC-390 foi referido pela Embraer nas reuniões com a parte portuguesa nas OGMA. E tanto o embaixador brasileiro, Mario Vilalva, como o presidente da Embraer, Frederico Fleury Curado, terão dado conta da situação a Paulo Portas nesse dia 6 de Abril.

Este problema, aparentemente, não se limita a Portugal. No passado dia 28 de Abril, o ministro da Defesa do Brasil, Jacques Wagner, reconhecia que a dívida do governo brasileiro à Embraer se cifrava nos 500 milhões de reais (154 milhões de euros) precisamente a propósito do desenvolvimento no Brasil do projecto KC-390.

A semana terminaria com a fabricante brasileira a assumir um prejuízo líquido atribuído aos accionistas de 196 milhões de reais (53 milhões de euros) no primeiro trimestre deste ano.

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