Embaixador da Dinamarca foi ao Parlamento numa audição que criou polémica no PS

A aprovação de um voto de condenação dos dinamarqueses não demoveu socialistas de convocar com carácter de urgência o diplomata.

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Imagem de um grupo de refugiados em Copenhaga, Dinamarca REUTERS/Asger Ladefoged/Scanpix Denmark

Michael Suhr, embaixador em Lisboa do Reino da Dinamarca, compareceu ao fim da tarde desta quinta-feira na Comissão parlamentar de Assuntos Europeus por iniciativa socialista. Aos deputados portugueses o diplomata foi explicar a lei do seu país que prevê o confisco de bens aos refugiados que entrem em território dinamarquês. Esta audição, soube o PÚBLICO, suscitou dúvidas e polémica no seio do grupo parlamentar do PS.

O facto de a Assembleia da República, por unanimidade, ter votado em 29 de Janeiro um voto de condenação pela aprovação pelo Parlamento da Dinamarca de uma reforma da lei de asilo que prevê a possibilidade de confisco de bens a migrantes, numa iniciativa do Bloco de Esquerda, tornava desnecessário o convite ao embaixador Suhr para se explicar esta tarde. Este foi um dos argumentos de deputados do PS que consideraram excessiva esta iniciativa, o que, contudo, não demoveu a maioria do grupo parlamentar.

Assim, a aprovação por todas as bancadas de um duro texto condenatório da nova legislação dinamarquesa já fixara a posição do Parlamento português, pelo que, sublinharam alguns parlamentares do PS, não fazia sentido a audição com carácter de urgência do chefe da delegação diplomática da Dinamarca – pelo seu carácter repetitivo, que poderia ser entendido como uma retaliação ou de manifesto carácter inamistoso.

Este tipo de iniciativa, alertaram as vozes críticas, que visa um país parceiro de Portugal na União Europeia e na NATO, poderia abrir uma caixa de Pandora, ou seja, ter efeitos inesperados em cascata. Embora nenhum deputado tenha posto em causa a autonomia do Parlamento, nem escamoteado a dimensão de uma medida que afecta os direitos humanos, foram perceptíveis as dúvidas.

A possibilidade de os chefes de missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro virem a ser confrontados com convites dos parlamentos dos países onde desempenham a sua missão para explicarem iniciativas e medidas do Governo de Portugal pairou na reunião do grupo parlamentar do PS. Tradicionalmente, a discórdia ou reparos sobre decisões de outros executivos é comunicada através de canais diplomáticos e da máquina de representação externa do Estado. Contudo, esta constatação não demoveu os parlamentares socialistas da sua iniciativa.

Do mesmo modo, e apesar de a redacção do voto de condenação ser muito dura, foi considerado oportuno tomar as duas iniciativas. “Aquela que é já internacionalmente apelidada de 'lei das jóias', além de se prestar a considerações históricas que repugnam à consciência universal, e europeia em particular, sinaliza um evidente retrocesso político, jurídico, social e civilizacional, onde a ponderação equilibrada das soluções e a solidariedade humana cedem lugar a um populismo contrário aos valores da humanidade e da civilização, cuja génese europeia nos honra acima de tudo, e que inspiram com carácter matricial a construção da Europa unida, posterior a 1945”, destaca o texto da Assembleia da República. Esta dureza não obviou a uma circunstância pouco comum nos hábitos parlamentares portugueses que foi a convergência de todas as bancadas.

Se a posição dos parlamentares é clara e veemente, a do Governo ainda não foi expressa. Aliás, as iniciativas dos deputados não suscitam comentários ao executivo que, em nome da autonomia do Parlamento, opta pelo silêncio. Nos corredores da diplomacia esta posição é reforçada pela tradicional discrição e prudência – a iniciativa decorre em sede parlamentar, o que evita incómodos à máquina diplomática e de exposição ao executivo.

O facto de o embaixador dinamarquês se ter prontificado a comparecer no Palácio de S. Bento corrobora esta tese. Esta tarde, aos deputados o diplomata Michael Suhr repetiu os argumentos que já explanou por várias vezes. “Todas as sociedades têm limites. Temos muitos apoios na Dinamarca, saúde gratuita, educação, a universidade é gratuita também para os refugiados, mas eles não têm de pagar impostos, porque não são cidadãos dinamarqueses. Vamos pedir-lhes que contribuam e será avaliado de quanto dinheiro dispõem”, disse o embaixador à Rádio Renascença.

O pacote legislativo sobre imigração e asilo, aprovado há duas semanas pelo Parlamento da Dinamarca, prevê a possibilidade de o Estado confiscar bens a refugiados a quem tenha sido autorizada a permanência naquele país, no valor excedente a 1340 euros. Esta reforma, apresentada em Dezembro, foi proposta pelo Partido do Povo Dinamarquês, formação anti-imigração aliada do Governo minoritário de Laris Lokke Rasmussen, e foi aprovada por maioria. “E também pelo Partido Socialista”, lembrou Suhr à Renascença.

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