Elogio do Bloco de Esquerda

Por uma vez sem exemplo, até vou concordar com Catarina Martins.

Acham que o título é ironia? Não, desta vez não é ironia. Eu costumo dizer com frequência que só sou de direita ao longo de três quartos da pirâmide social. À entrada do último quarto vou virando progressivamente à esquerda, e quando chego perto dos banqueiros e dos grandes promotores do capitalismo de compadrio já estou transformado num furioso bloquista.

Se eu me sentasse a uma mesa de café a conversar com Francisco Louçã sobre Ricardo Salgado, nós iríamos parecer almas gémeas. E a prova disso mesmo é o projecto que o Bloco apresentou na semana passada para aumentar a transparência da banca – daquilo que foi adiantado à comunicação social, devo dizer que subscrevo tudo, e espero sinceramente que o Parlamento olhe para o projecto de lei com a seriedade que ele merece.

O tema pode não parecer, à primeira vista, o mais atraente do mundo, até porque se trata de introduzir alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários, matéria habitualmente dada a longos bocejos. Mas penso que todos nós, enquanto cidadãos informados, começamos a perceber a necessidade de investir alguns minutos da nossa atenção em assuntos ásperos – até porque foi em cima da nossa distracção que políticos, lobistas e banqueiros foram, aos poucos, tomando o país de assalto (peço desculpa pela linguagem, mas hoje estou a trabalhar para ser citado no Avante!).

Como afirmou Mariana Mortágua na apresentação do projecto, o país não pode estar dependente “da memória de administradores ou banqueiros”, que ainda por cima são dados a espectaculares amnésias e espantosas confissões de ignorância quando chega a hora de apurar a responsabilidade dos desastres causados pelas instituições que principescamente os remuneravam. Daí que o Bloco avance com uma série de medidas para aumentar a transparência dos bancos e a capacidade de supervisão dos reguladores, entre as quais a proibição de participações cruzadas entre bancos e empresas não-financeiras – uma medida que se já estivesse plasmada na lei teria impedido, por exemplo, que várias alminhas pudessem ser simultaneamente administradores do BES e da PT, numa teia vergonhosa de promiscuidades que acabou por afundar as duas empresas.

Mas há mais: a proibição de operações para offshores que não tenham acordos de transferência de informação ou para entidades cujo beneficiário último não é conhecido; a proibição de venda aos balcões de dívida própria ou de empresas com as quais o banco tenha relações; os auditores externos escolhidos pelo Banco de Portugal e pagos pelo Fundo de Resolução, para evitar que sejam os fiscalizados a pagar aos fiscalizadores; ou a retirada da idoneidade sem necessidade de condenação prévia, quando existirem indícios claros de actuação prejudicial à estabilidade do sistema financeiro. Tudo belas e ponderadas ideias, inspiradas na comissão parlamentar ao caso BES.

Por uma vez sem exemplo, até vou concordar com Catarina Martins: “Desde a crise financeira de 2008, o Estado português viu-se a braços com crises em seis bancos e teve de os salvar, três deles em contexto de fraude. Seis bancos em seis anos, sempre apresentados como casos isolados.” Eu diria que Catarina Martins até foi excessivamente comedida na contagem das fraudes. É claro que seis bancos em seis anos não pode ser um acaso. Há muita coisa a precisar de ser corrigida – e esta iniciativa do Bloco de Esquerda vai, sem dúvida, na direcção certa.

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