Elogio da Europa

Há quem se pergunte por que não existem em Portugal partidos com um peso assinalável nas sondagens que sejam claramente antieuropeus. A CDU é o que mais se aproxima disso, até porque o seu discurso é embaraçosamente semelhante ao da Frente Nacional: ambos são contra a “submissão à política neoliberal” (com uma diferença: Marine Le Pen prefere a expressão “ultraliberal”), ambos exigem a revisão de todos os tratados, opondo-se a uma “visão federal da União Europeia”, ambos defendem o fim do euro.

Só que as últimas sondagens colocam a CDU na casa dos 10%, o que, embora deixe os comunistas contentíssimos, significa uma distância de mais de 20 pontos percentuais para a coligação de direita – a tal que é terrivelmente “neoliberal” e que impôs o “pacto de agressão” – e de mais de 25 pontos para o PS, o tal partido “siamês” do PSD, e que – palavras de Jerónimo de Sousa – tem “94 por cento” de parecenças com os sociais-democratas.

Em França, pelo contrário, a Frente Nacional lidera as sondagens realizadas até ao momento, com 23% das intenções de voto. O UMP está com 21% e o PS com 17%. Já no Reino Unido, que hoje vai às urnas, as últimas sondagens atribuíam uma vantagem muito considerável ao UKIP: 32%, seguido dos trabalhistas com 27% e dos conservadores com 23%. A questão é: porquê? Por que é que, depois de tanto “pacto de agressão”, depois de tanto sofrimento às mãos da terrível Europa, depois de Angela Merkel nos ter alegadamente maltratado, depois de tantas comparações com nazis, os masoquistas dos portugueses continuam a ser tão europeístas?

A minha resposta é simples: porque os portugueses não são parvos. Ao contrário daquilo que os eurocépticos querem fazer crer, qualquer português com as meninges irrigadas e um pingo de memória sabe que nós vivemos muito melhor em 2014 do que em 1986. E sabe que a melhoria das condições de vida é, em larguíssima medida, fruto da integração europeia. Por isso, quando faz as contas ao deve e ao haver, mesmo após três anos de violenta austeridade, sabe que aquilo que ganhou é bem mais do que perdeu. E essa é uma diferença radical em relação a franceses ou britânicos – esses, sim, podem questionar-se se o aprofundamento da União trouxe assim tantas vantagens para as suas vidas. Nós, não.

Eu sei que esta constatação vai ao arrepio de muito discurso que nos querem enfiar pelos olhos dentro. Afinal, nós fazemos parte dos PIIGS, nós somos a ralé da União, nós somos os descartáveis, nós somos a cauda da Europa, que, como a das lagartixas, salta facilmente ao primeiro susto. Só que a cauda tem uma grande diferença em relação ao corpo da lagartixa – sozinha, falece, enquanto o corpo sobrevive e arranja outras caudas. Donde, a cauda tem bastante mais interesse em manter-se agarrada à lagartixa do que a lagartixa à cauda.

O povo, talvez por frequentar mais o campo, percebe isto. Algumas elites, pelos vistos, não. A leveza com que alguns questionam a permanência de Portugal no euro e, por extensão, na própria União Europeia, não deixa de me espantar. A participação no aprofundamento do projecto europeu é um sonho que nos acompanha há décadas. Um sonho que se realizou, e que, ao realizar-se, nos retirou do nosso isolamento, nos ajudou a progredir, nos tornou a todos mais cosmopolitas e integrados. Não se abdica de tudo isso à primeira dificuldade que aparece pela frente, por maior que seja. A Europa tem de mudar. Mas connosco lá dentro. Nunca fora.

Jornalista

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