Eles e o princípio da igualdade

Quando rompia os fundilhos das calças na Faculdade de Direito de Lisboa, digerindo sebentas e manuais, ensinaram-me que o princípio da igualdade traduzia uma realidade muito simples que, por ser tão simples, entrava e entra pelos olhos dentro, mesmo até dos que padecem de profunda iliteracia:

”Tratar como igual o que é igual, diferente o que é diferente”.

Foi invocando um tal princípio que, há dias, numa pouco comum, mas louvável atitude, os juízes do Tribunal Constitucional (TC) deram conhecimento, na comunicação social, da sua deliberação quanto à conformidade à Constituição da República Portuguesa (CRP) de algumas normas do Orçamento do Estado (OE).

Ora, se o TC aplicou correcta ou incorrectamente tal princípio, quem sou eu? Nem sequer acedi, dada a sua vastidão, a todo o conteúdo de uma tal deliberação.

Depois da Revolução Francesa, já de séculos, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da europeia dos mesmos e de inúmeros textos da ordem jurídica internacional, supunha que a igualdade entre os homens era um postulado de todo o exercício de interpretação de qualquer norma com força jurídica:

 “ Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos…” , diz a Declaração Universal.

Pelos vistos, andaram a enganar-me na Faculdade de Direito e na escola da vida.

O princípio não existe, quando existe é tema de “loucos”.

Afinal somos todos diferentes, mesmo se todos os homens merecem tratamento desigual nas situações conjunturais mesmo iguais. O princípio não é o da igualdade, mas desigualdade.

E o mote foi dado pelo acórdão do TC que se fundamentou na igualdade dos homens, quando devia ter por base a desigualdade!

A democracia, os princípios universais da solidariedade e da fraternidade que a Revolução Francesa trouxe à Humanidade são um equívoco.

Sinais dos tempos! Que tempos!

Quando nos carregam com tais enormidades, percebemos a “austeridade” vinda da bancarrota que uns tantos causaram e ora todos pagam. Esta é a igualdade que lhes interessa .

E foi isto que os coronéis do poder e alguns filósofos e historiadores de serviço nos tentaram impingir.

O Governo, com um comunicado feito à pressa, a sacudir a água do capote, como se não tivesse sido ele a inspirar o OE e a impô-lo no Parlamento! E ignorando, de forma ostensiva e dolosa outro princípio fundamental: o de que cada órgão do Estado tem as suas funções e competências. Mas os coronéis não conhecem regras nem distribuição de competências, pois acham, lá no seu íntimo “democrático”, que o Estado é deles, que o compraram nas eleições. 

Assistimos de boca aberta a um membro do Governo vir declarar que o Conselho de Ministros não concorda com o TC. Não concorda? Que fique com a discordância e que cumpra o decidido no TC.

E já agora, que tão servil é ante a Sr.ª Angela Merkel, a inquira se é uso, na grande Alemanha, vir o Governo minimizar o TC. Não é que, apesar da arrogância de Angela, sabe ela que as instituições do Estado devem ser respeitadas ao menos pelas outras instituições.

O Executivo coagiu, descaradamente, o TC a decidir como ele legislara no OE, requerendo do Tribunal um papel de notário privativo que reconhece a autenticidade constitucional da sua lei de impostos e cortes nas pensões, reformas e salários.

Isso é que constitui a tão propagada, oculta e desconhecida “ refundação do Estado” que o nosso Governo discute às escondidas com seus correligionários e amigos.            

Os génios da Gomes Teixeira imaginaram num dia ou noite de inspiração (?) que gerir a “res publica” era matéria adquirida em contrato de compra e venda e, daí, que lhes era legítimo “entroikar” a CRP e as leis do país. A Lei Fundamental era, no seu espírito brilhante, o dito memorando de entendimento, instrumento que passou, naquelas mentes pensadores, a impor-se a cada momento, a tudo quanto existia na ordem jurídica interna.

E nem sequer deu um salto, antes um miúdo passo, para inverter a ordem das coisas:  CRP devia sujeitar-se ao memorando e não o contrário. Desse modo desastrado, o governo, incompetente que é, prescindia de organizar um OE constitucional e legal, uma vez que, no seu entendimento da democracia, bem esta podia dispensar, no tempo necessário, as regras constitucionais.

Enganou-se, como é seu uso.

O Executivo acreditou na justeza dos novos-ricos da filosofia e da história para quem “os deputados de 1975 eram um bando de loucos furiosos” que, no séc. XX, ainda supunham ser válido o tal princípio da igualdade.

Como assim, e porque assim é agora, os coronéis do poder, num comunicado medíocre, mas que lhes é próprio, invectivaram o TC, veja-se lá !, por invocar e fundamentar a sua decisão num princípio proscrito: o da igualdade dos homens!

Paulatina, mas seguramente, o governo enterra-se na inexistência da sua política e da ética da mesma.

 

Alberto Pinto Nogueira é procurador-geral adjunto 

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