Analistas: Eduardo dos Santos pronunciou-se porque visados da PGR são do seu círculo próximo

Pronunciamento do Presidente angolano revela possíveis pressões dentro do MPLA. As autoridades angolanas estão "ressentidas" e o papel "apaziguador" do Presidente "ressentiu-se".

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PÚBLICO

A expressão de que algo pode estar mal entre Portugal e Angola passou pela primeira vez, esta semana, das páginas do Jornal de Angola para o discurso sobre o Estado da Nação do Presidente angolano, que escolheu deixar de lado o seu habitual papel “apaziguador”. Isso aconteceu, segundo académicos e analistas ouvidos pelo PÚBLICO, porque as pessoas visadas nas investigações que decorrem na Procuradoria-Geral da República (PGR) portuguesa são do círculo mais próximo do chefe de Estado e têm eles próprios o domínio de áreas-chave: segurança e petróleo.

No seu discurso na Assembleia, José Eduardo dos Santos lamentou “as incompreensões ao nível da cúpula” portuguesa e disse não existirem, neste momento, condições para avançar para uma cooperação estratégica – anunciada durante a sua visita a Portugal em 2009, numa conferência conjunta com o Presidente português Cavaco Silva. O MPLA congratulou-se.

No dia seguinte, o Jornal de Angola, em mais um editorial, descodificava as palavras do Presidente na forma de um aviso: a cooperação estratégica estaria dependente da actuação da Justiça em Portugal.

Está instalado um mal-estar “acumulado”, disse Manuel Alves da Rocha, economista angolano e director do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola, que falava ao PÚBLICO e à Lusa, à margem de uma conferência na Gulbenkian em Lisboa na quinta-feira. “O papel apaziguador de José Eduardo dos Santos acabou por se ressentir”, frisa, pondo a hipótese de “determinadas pressões dentro do MPLA”. “Pode ter chegado a um ponto em que rebentou.”

O discurso presidencial foi “claramente uma pressão”, analisa, por seu lado, o jornalista angolano e colunista do semanário AgoraMário Paiva. O esfriamento das relações já existia, mas foi precipitado pelas revelações dos processos judiciais contra figuras angolanas em Novembro passado, diz, a partir de Luanda. “É um crescendo”, qualifica Mário Paiva. “As pressões não estão a produzir resultados e Luanda sobe a fasquia das ameaças. A matéria de fundo que leva a um pronunciamento público desta envergadura são os processos.”

Uma das figuras visadas é o vice-presidente e provável sucessor de Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, que foi durante anos presidente da petrolífera estatal angolana, Sonangol, e continua a ser “quem conta” nos negócios do petróleo, diz Fernando Jorge Cardoso, investigador do Instituto Marquês de Valle Flôr e ex-director do antigo Instituto de Estudos Estratégicos Internacionais (IEEI). Em Maio de 2012, Manuel Vicente dizia que o investimento directo angolano em Portugal tinha deixado “de ser prioritário”.

Queixas no Ministério Público português
Em Novembro, quando foi publicada a primeira notícia do Expresso sobre a abertura dos inquéritos na PGR, o vice-presidente dizia ao semanário português que todos os seus investimentos em Portugal estavam “perfeitamente documentados junto das autoridades competentes” e adiantou, sobre o processo-crime, não ter sido notificado nem saber “o que se passa”. Até ao momento, pelo menos, nenhum dos visados era arguido.

Também sob investigação está o general Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, ministro de Estado e chefe da Casa Militar da Presidência da República, que assume desde há muito o papel decisivo do controlo da segurança, como “braço direito do Presidente na área da política e da segurança” e tem, também ele, investimentos em importantes empresas em Portugal, lembra Fernando Jorge Cardoso.

Isabel dos Santos, empresária e filha do Presidente, é um dos nomes que constam das queixas apresentadas por cidadãos angolanos junto do Ministério Público português, mas nunca referidas nas notícias como estando a ser investigada. É a face mais visível do que Fernando Jorge Cardoso diz ser um momento favorável das relações Estado a Estado. “Nunca estiveram tão bem” por via de “investimentos fortes de Angola em empresas cotadas”, garante. Além de ter reforçado recentemente a sua presença nos sectores da banca a das telecomunicações, onde domina a Zon Optimus juntamente com a Sonae (dona do PÚBLICO), Isabel dos Santos é accionista da Galp Energia e detém 19% do BPI, além de 25% do banco BIC (que adquiriu o BPN).  

“Este tipo de negócios vai continuar”, considera Fernando Jorge Cardoso. Para ele, os verdadeiros prejudicados do actual clima de crispação são os pequenos empresários e famílias portuguesas estabelecidos ou com vontade de o fazerem em Angola, onde vivem cerca de 200 mil portugueses. “Os interesses de um lado e do outro são suficientemente sólidos e fortes” e o investigador Fernando Jorge Cardoso não acredita num “rompimento das relações económicas e comerciais”.

A acontecer, quem perderia seria principalmente Portugal, considera, por sua vez, o economista Manuel Alves da Rocha, que refere o leque de “outras oportunidades” que tem Luanda para “desenvolver relações” com outros parceiros. “Na actual circunstância de crise em Portugal, este problema afecta muito mais do que afecta Portugal”, diz, lembrando que Angola é o primeiro destino das exportações portuguesas fora da União Europeia.

Portugal tem vindo a perder espaço nas relações com Angola, diz o jornalista Mário Paiva. China e Brasil estão bem posicionados. José Eduardo dos Santos foi recentemente convidado pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, para uma visita a Inglaterra. Além dos britânicos, escreveu esta semana o Jornal de Angola, também os russos e os franceses se mostram interessados em estreitar relações com Luanda. A França teve, durante anos, as suas relações diplomáticas sob forte pressão das investigações judiciais que decorriam em Paris relativas ao Angolagate, sobre a venda de armas da Rússia a Luanda, nos anos 1990, através dos empresários Pierre Falcone (franco-brasileiro) e Arcadi Gaydamak (russo ), e que tinham também José Eduardo dos Santos entre os acusados de receber comissões elevadas. Luanda tentou várias vezes que Paris abandonasse os processos.

Em Portugal, Mário Paiva não vê como provável que as investigações dêem resultados, em parte, diz, porque “o Governo português entrou numa relação de grande dependência do Governo angolano”.
 

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