E se geríssemos o país como os compartes gerem os baldios de Tourencinho?

PCP vai propor alterações profundas ao regime dos baldios aprovado pela anterior maioria PSD/CDS e conta com o apoio do PS. Jornadas parlamentares terminam esta terça-feira em Bragança.

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Os baldios, realidade característica do interior e norte do país, sofreram alterações na legislação com o Governo PSD/CDS Paulo Ricca

Nos últimos 16 anos, a pequena aldeia incrustada no sopé de uma encosta granítica junto ao rio Corgo, no concelho de Vila Pouca de Aguiar, mudou radicalmente. Tourencinho orgulha-se de ter agora uma capela nova, um cemitério arranjado, uma casa mortuária reconstruída a partir da antiga Capela de S. Domingos e S. Sebastião, um centro social e de convívio para 20 utentes que faz apoio domiciliário de lavandaria e cozinha a 40 famílias. Mas também um lar com capacidade para 23 camas com a avaliação máxima da Segurança Social, três capelas no monte reconstruídas, uma sede da Associação Cultural e Recreativa Tourencius dos Xudreiros (que junta o nome da aldeia actual ao de outra que perdeu a população há 500 anos); e de os pinhais em volta da aldeia estarem limpos, as ruas calcetadas de granito e impecavelmente asseadas, os caminhos de acesso às hortas com muros reconstruídos na traça antiga e pontões para ultrapassar os riachos.

De onde veio o dinheiro para todas estas obras? Da gestão dos baldios por cerca de 250 compartes, descreveu Licínio Costa, presidente da Assembleia Geral dos Compartes de Tourencinho, que guiou uma comitiva de três deputados comunistas em passo estugado pelas calçadas da aldeia mostrando as benfeitorias com rendimento dos baldios. São 1000 hectares de baldios dos quais apenas 290 – o máximo admissível para pastoreio – estão distribuídos pelos compartes consoante o número de animais. E há por ali rebanhos de ovelhas e manadas de vacas maronesas a pastar nos lameiros verdejantes numa tarde soalheira.

O resto da área dos baldios tem arvoredo (de que se aproveita a madeira), algumas pedreiras de granito real amarelo na serra (já foram uma dúzia, agora apenas quatro são exploradas), um parque eólico, uma zona para apiário, outra para os caçadores virem a fazer um centro de reprodução do coelho selvagem. E é destas parcelas que vem a receita para o orçamento médio de 100 mil euros anuais nos últimos 15 anos – só os aerogeradores dão 57.500 euros. Outro rendimento importante foi a indemnização da Estradas de Portugal pela construção da auto-estrada e da qual há ainda 350 mil euros para receber.

É por isso que, depois de terem pago mais de metade do lar de 1,3 milhões de euros, e de todas as obras de cariz cultural, associativo (há subsídios anuais), religioso e de apoio social que fizeram nos últimos anos (algumas com apoios comunitários), todos aprovados em assembleia de compartes, há mais apoios para tentar fixar a população. Como a comparticipação dos livros do pré-escolar à universidade, entre 150 e 300 euros por aluno para os compartes. Na verdade, todos os habitantes maiores de idade são compartes, assim como os emigrantes que ali tenham propriedades e até quem é de fora mas ali mantenha um negócio na agricultura ou pecuária.

“Criámos 36 postos de trabalho. Na aldeia não há desemprego”, diz, orgulhoso, Licínio Costa, acrescentando, condescendente, que haverá “quem não trabalhe, mas é porque já não está para trabalhar – e são casos raros”. Um truque para criar riqueza na aldeia é tentar que cada euro investido pelos baldios ali permaneça: são os empreiteiros da aldeia que fazem as obras, com orçamentos fechados e escrutinados.

“O segredo do sucesso é a cooperação, a colaboração de todos – compartes e entidades como a junta e a câmara – e o orgulho”, vinca Licínio, mais a “gestão transparente”. E isso é algo que impressiona Margarida Castela, de 37 anos, que sempre por ali morou e por isso tem direito de voto nas assembleias, onde tenta sempre ir para participar nas decisões e saber o que aí vem. Como a discussão que houve há pouco tempo sobre a criação de um subsídio anual para os casais jovens com filhos até uma certa idade – ainda que possa já não beneficiar, pois as duas filhas de 15 e 7 anos já ganharam asas para ir estudar em Vila Pouca –, depois de o plano de encerramento de escolas com menos de 50 alunos do Governo PS ter deixado Tourencinho apenas com jardim infantil.

Tourencinho foi escolhida para as jornadas parlamentares do PCP, dedicadas aos problemas do desenvolvimento regional, por ser um bom exemplo de como a lei dos baldios aprovada por PSD e CDS com votos contra de toda a esquerda pode prejudicar esta realidade característica do interior. Os compartes pedem alterações para que não percam os terrenos para as freguesias – porque não são propriedade pública mas comunitária, argumentam – e possam continuar a geri-los sem interferências.

O líder parlamentar João Oliveira prometeu uma proposta do PCP que incorpore as reivindicações dos compartes e acredita no apoio do resto da esquerda. O deputado comunista disse que Tourencinho prova que o interior não tem só problemas, também tem “um conjunto enorme de soluções para os problemas do país. Há muito para aproveitar aqui dos baldios para servir de exemplo para a gestão do país”. 

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