“É necessária uma barragem política a esta tentativa de destruição”

O deputado socialista Francisco Assis está de regresso ao Parlamento Europeu, aos 49 anos. Em plena campanha para as europeias, arrasa o Governo, classificando de “calamitoso e extremista do ponto de vista ideológico”, e não fecha portas a um diálogo com os partidos à esquerda do PS em 2015.

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Ricardo Castelo/NFactos

Defensor intransigente do Estado social, o ex-líder da bancada parlamentar do PS diz que é preciso romper com o modelo de uma Europa a duas velocidades e proclama a construção de uma política que conjugue a consolidação orçamental com o crescimento económico. Afirma que se no dia 25 de Maio à noite houver uma nova maioria política no Parlamento Europeu e um novo presidente da Comissão Europeia, dias depois, “isso não vai ser uma revolução absoluta, mas vai introduzir um novo discurso, uma nova linguagem”. Vê nesta mudança no horizonte da política europeia o “sobressalto democrático” que a Europa precisa.

O deputado não poupa o cabeça de lista da Aliança Portugal, Paulo Rangel - o seu principal adversário -, acusando-o de “soçobrar com especial e aflitiva frequência ao apelo da demagogia”. O número um da lista socialista ao PE anuncia nesta entrevista que José Sócrates vai estar a seu lado na campanha, contundo não revela quando é que isso vai acontecer, porque “ainda não foi determinado”.

As eleições europeias podem servir para provocar um verdeiro sobressalto democrático na Europa. Porquê?
São as eleições mais importantes que alguma vez se realizaram para o Paramento Europeu (PE) e espero que delas resulte esse sobressalto democrático. Porquê? Porque me parece que temos que cortar com uma ideia que tem vindo a prevalecer de uma Europa, sobretudo, dividida em função em factores de natureza histórico-geográfica entre um Norte próspero aberto às globalização e com capacidade para ganhar com a globalização e um Sul pobre periférico, subalterno. Essa divisão até apela para categorias não políticas e devemos acabar com isso. Estarão criadas condições para que haja um verdadeiro debate político em que se manifestem as divergências e as diferenças sem prejuízo no futuro procurarmos alcançar compromissos que a evolução europeia exige e justifica.

O que é que se joga nestas eleições. Uma mudança de ciclo mais à esquerda?
O maior desafio com que a Europa se confronta é: como é que nós reagimos globalmente ao problema da globalização? Como é que nós garantimos a nível europeu que cada uma das regiões, cada um dos estados europeus, vão ter condições para reagir a este desafio da globalização e é ou não é possível manter este estado.

A direita tem uma resposta que, veladamente, vai apresentando que é nós só poderemos ser competitivos pagando um preço muito alto e o preço é desistirmos de alguns aspectos fundamentais do Estado social e a direita portuguesa em particular tem esse discurso, teve-o o doutor Pedro Passos Coelho mal chegou à liderança do PSD e vai-o tendo de tempos-a-tempos. E esse discurso de que temos que alicerçar a nossa competitividade na liquidação prévia do Estado social, do Estado providência, e a nossa posição é completamente diferente, passa por contabilizar as duas coisas e fazer até a demonstração de que seremos tão mais competitivos quanto continuarmos a fazer um esforço que tem que passar sempre por uma presença forte do Estado, que está ao serviço de uma estratégia de qualificação das nossas sociedades.

As europeias são a primeira etapa das legislativas?
Não as reduzo a isso, mas todos aqueles sectores da sociedade portuguesa que estão profundamente descontentes com este Governo, porque percebem que tem um propósito claro de liquidação e alguns aspectos fundamentais do nosso Estado providência e que tem uma visão da sociedade, da economia e da política, que desvaloriza completamente esse modelo de organização económica e social, têm agora uma possibilidade de manifestarem não apenas a sua desconfiança, a sua oposição, a esta maioria, mas também de contribuírem para a afirmação de uma alternativa política em Portugal. E essa alternativa política tem que passar necessariamente pelo PS.

E basta ganhar por um voto?
Quando me pedem a definição conceptual do que é ganhar dou essa resposta. É evidente que espero ganhar por mais de um voto. Estou convencido que se vai ganhar por mais de um. E quanto maior for essa diferença mais significado e mais consequências vai provocar. É por isso que julgo desejável que o PS tenha uma vitória clara que represente um sinal de um novo ciclo na vida política portuguesa.

Quais são as consequências que estas eleições vão ter na política nacional?
Há sempre ilações de natureza nacional a fazer. Estas eleições valem por elas próprias e podem, de facto, iniciar uma nova fase na vida política europeia: se, porventura, houver, como desejo, uma mudança de maioria política no PE, se o PSE passar a ser o partido maioritário, se daí resultar a indicação de Martin Schulz para a presidência da Comissão Europeia, isso só por si vai introduzir grandes mudanças políticas na Europa. Vamos ter uma outra abordagem das questões europeias e isso é bom para a Europa e até é bom para o mundo, porque a Europa pode ter um papel de regulação em termos mundiais se for mais exigente.

Mas e em Portugal?
Em Portugal as implicações que pode ter são também evidentes. Creio que pode ser o início de novo ciclo na vida política portuguesa. Se vai precipitar os calendários eleitorais não sei responder a isso.

José Sócrates vai ou não aparecer na campanha?
Vai. O momento ainda não foi determinado, mas tenho esse acordo com ele. O PS não se envergonha do seu passado, percebe que o passado é passado e o presente é presente. O PS é hoje um partido unido. Isso é uma das demonstrações do sentido de responsabilidade no PS. Conseguimos superar as nossas divergências e construir uma plataforma de unidade que está na base da nossa intervenção política. A lista é bem a demonstração dessa capacidade. E isso é mérito de António José Seguro, que foi capaz de compreender que não podia dirigir o partido de forma sectária.

O cabeça de lista da Aliança Portugal acusou-o de ser o líder parlamentar dos governos mais despesistas das últimas décadas. Ficou surpreendido com estas declarações ou viu-as como uma explicação sectária da realidade?
É a demonstração de que as pessoas muito qualificadas também podem em determinadas circunstâncias soçobrar ao apelo da demagogia e, infelizmente, nesta campanha eleitoral o doutor Paulo Rangel tem soçobrado com especial e aflitiva frequência ao apelo da demagogia.

Por uma questão de desespero?
Teria de entrar no foro da análise psicológica das motivações do doutor Paulo Rangel e não quero entrar, mas tenho uma explicação para isso. É mais simples tentar falsificar o passado do que falsificar o presente e o doutor Paulo Rangel está a construir uma teoria errada, que ele sabe que é errada e falsa, sobretudo, acerca do passado para fugir a um debate mais sério acerca do presente. Por detrás disto está uma coisa pior: o doutor Paulo Rangel faz parte de uma certa direita que é uma direita muito extremista e que raramente nos governou nos pós 25 de Abril. Apesar de tudo, quando a direita governou o país era uma direita que tinha traços liberais, tinha alguns elementos sociais-democratas, tinha alguns elementos democratas-cristãos, mas tinha uma inequívoca preocupação com o Estado social. Aliás, a direita em Portugal ajudou à construção do Estado social. O doutor Paulo Rangel quando faz essas acusações aos governos do PS no fim de contas está a fazer um processo a todo o modelo de organização económico-social que, felizmente, prevaleceu no nosso país e que é um modelo em que se valoriza bastante o Estado providência em que valorizam bastante as funções sociais do Estado – o que se fez no domínio da saúde, da educação, da segurança social, da qualificação geral do território. Para uma parte substancial da direita, tudo isso é sempre vivermos acima das nossas possibilidades, eles desconfiam desse modelo, desses mecanismos de modernização de uma sociedade.

E o ataque ao despesismo?
Não houve nenhum despesismo, pelo contrário, houve uma preocupação de combater a grave crise importada e que, evidentemente, tem sempre o efeito de tornar mais evidentes as dificuldades de países mais frágeis no quadro europeu como é o nosso caso. Houve uma vontade europeia - não fomos só nós – isso levou a um aumento do défice, a um aumento da dívida e, depois, subitamente, há um outro momento que é o momento da crise das dívidas soberanas em que tivemos de inflectir radicalmente as políticas e fizemo-lo, mesmo contra a vontade do PSD e do CDS que apresentavam todas as semanas na Assembleia da República propostas para aumentar a despesa e reduzir a receita. Vejo nas declarações do doutor Paulo Rangel uma coisa muito mais preocupante: uma desconfiança profunda de uma certa direita extremista em Portugal com a intervenção do Estado, porque é uma direita que convive bem com as desigualdades naturais, convive bem com as desigualdades sociais, convive bem com as desigualdades territoriais e para quem a intervenção do Estado no sentido da promoção da igualdade de oportunidade e no sentido do combate à pobreza e à exclusão é sempre visto como qualquer coisa de anómalo que deve ser combatido.

Na Aliança Portugal não identifica um discurso social-democrata?
Não vejo ponta de discurso social-democrata nem na governação do país, nem neste discurso da Aliança Portugal?

E é isso que o separa de Paulo Rangel?
A grande linha de demarcação é precisamente essa e é por isso que tenho vindo a dizer e às vezes não tenha sido muito bem compreendido junto dos meus mais próximos, da esquerda democrática, mas julgo que esse mal-entendido já está desfeito. O que tenho vindo a dizer ao longo dos últimos dois anos é que não podemos perder de vista que há uma parte, que julgo que ainda tem algum significado eleitoral da direita portuguesa, que é uma direita que defende o Estado social e essa direita não está contente com a actuação deste Governo e não aceita nem a linguagem nem a visão do mundo que está por detrás deste Governo e desta maioria e nós devemos dirigirmo-nos também a essas pessoas. A grande linha de distinção é entre uma direita extremista radical, excessivamente liberal e até um pouco primária na abordagem das questões sociais, e um Partido Socialista que, partindo da sua posição de sempre, que é um grande partido da esquerda democrática, tem hoje a obrigação de falar para sectores que estão hoje um bocadinho à sua direita e até para sectores que estão um bocadinho à sua esquerda, mas que compreendem a necessidade de construir uma espécie de barragem política a este processo de tentativa de destruição de algumas conquistas fundamentais da nossa sociedade portuguesa.

Sendo eleito para o PE, admite renunciar caso seja chamado para fazer de um futuro Governo?
Não é com essa intenção que vou para lá. A minha intenção é ser deputado europeu durante 5 anos. Não vou dizer que isso é impossível mas não é esse o meu horizonte.


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