Durão Barroso na Católica: largueza de horizontes

A presença portuguesa na União Europeia não deve por isso apagar a nossa outra presença na CPLP.

Foi uma manhã agradável, a da passada quinta-feira, na Palestra Inaugural de Durão Barroso na Católica. A hora não era muito auspiciosa para palestras públicas (11h da manhã), mas o vasto auditório estava apinhado, bem como o salão contíguo.

E o mais agradável foi a conversa: nada das aborrecidas querelas domésticas que enchem os noticiários e geram irremediáveis bocejos de tédio. Ali falou-se do mundo e de como podemos ter uma palavra a dizer — não só sobre o mundo, mas também para influenciar o que se passa no mundo.

Adriano Moreira apresentou brevemente o orador, com a elegância e distinção a que nos habituou. E revisitou o tema por nós tantas vezes esquecido, apesar dos seus incansáveis lembretes ao longo de muitas décadas: a vasta dimensão internacional e marítima do mundo de língua portuguesa, que exprime a “maneira portuguesa de estar no mundo”.

Essa dimensão não deve ser menosprezada pela nossa pertença à União Europeia, nem colocada em oposição a ela. Isso mesmo era prometido pelo título da Palestra Inaugural de Durão Barroso: “União Europeia e Lusofonia”.

As duas dimensões distinguem Portugal, argumentou Durão Barroso, retomando o argumento de Adriano Moreira sobre a necessária articulação entre elas. Essa articulação é possível porque a União Europeia se funda na unidade e não na unicidade (uma distinção que foi crucial no nosso PREC e que por vezes é esquecida por alguns euro-entusiastas e por muitos eurocépticos). A unidade sem unicidade supõe aceitação da variedade e da soberania dos estados-nação que compõem a União Europeia — e que voluntariamente aceitam partilhar algumas áreas dessa soberania, sem a abandonarem.

O conceito de estado-nação e de soberania política nacional tendem hoje a ser ridicularizados por modas politicamente correctas. Mas, à semelhança do mercado livre que essas correntes também ridicularizam, o sentimento nacional persiste em reaparecer espontaneamente.

Como observou Durão Barroso, o reconhecimento das soberanias políticas nacionais no interior do mundo de língua portuguesa foi também a condição que se revelou indispensável para a preservação desse mundo. Foi o reconhecimento das soberanias políticas nacionais que permitiu o reencontro do mundo de língua portuguesa na CPLP.

A presença portuguesa na União Europeia não deve por isso apagar a nossa outra presença na CPLP. A lusofonia, argumentou Durão Barroso, é uma das formas de Portugal contribuir para a União Europeia, mas também de Portugal fortalecer a sua influência na UE. A língua portuguesa, recordou, é a terceira língua do hemisfério ocidental mais falada no mundo e a mais falada no hemisfério sul.

Durão Barroso recordou ainda que tinha ajudado a promover uma parceria estratégica entre a UE e o Brasil, bem como a criação de uma relação especial da UE com Cabo Verde. E deixou uma espécie de apelo a que Portugal, Brasil e Angola se possam juntar na criação de uma televisão lusófona e internacional. Em meu entender, essa pode ser uma grande ideia — sobretudo se puder ser levada a cabo pelo sector privado e não pelas habituais burocracias estatais.

Sobre a União Europeia propriamente dita, Durão Barroso deixou uma nota vincadamente optimista. Essa nota foi justificada por um olhar retrospectivo. Entre 2004 e 2014, a década em que presidiu à Comissão Europeia, a UE passou de 15 para 28 membros. O passo mais importante foi sem dúvida a decidida abertura da União aos países da Europa central e de leste após a queda do muro de Berlim em 1989 — uma abertura, gostaria eu de recordar, que na época foi contrariada pelos partidários da chamada “ever closer union”.

E o mais sintomático foi que todos esses países, mal iniciaram as transições à democracia, pediram a adesão à UE. O mesmo tinha ocorrido com Grécia, Espanha e Portugal, na década de 1970. Também aqui as novas democracias perceberam que o clube europeu seria uma garantia crucial para a liberdade por elas recém-conquistada.

Como recordou a Reitora da Universidade Católica, Maria da Glória Garcia, Durão Barroso vai agora trazer para a Católica a sua vasta experiência europeia e internacional. No Instituto de Estudos Políticos, dirigirá o Centro de Estudos Europeus. Leccionará aí, bem como nas Faculdades de Direito e de Economia. Simultaneamente, está agora baseado na Universidade de Princeton, como professor visitante na distinta Woodrow Wilson School of Public and International Affairs.

A avaliar pela palestra de quinta-feira, é já muito claro o contributo que Durão Barroso vai trazer à Católica: o reforço da largueza de horizontes que a tem distinguido.

Sugerir correcção
Ler 8 comentários