Duas nações em debate: Parlamento entre fim do protectorado ou o Portugal da austeridade

Direita trará a São Bento o país liberto da troika, agora apostado no investimento. Oposição vai lembrar os impactos da austeridade, a dívida que disparou e o desemprego.

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Parlamento discute hoje o estado da Nação Miguel Manso

O debate do Estado da Nação vai mostrar esta quarta-feira na Assembleia da Republica duas visões diametralmente opostas do país. De um lado a maioria e o Governo, apresentando um Portugal livre da troika e pronto para o investimento. Do outro, os partidos da oposição com um retrato de um Portugal mais pobre, endividado e sem saída.

Os líderes parlamentares do PSD e CDS assinalam em primeiro lugar aquilo que - para os dois partidos que suportam o Governo - marca a diferença. E que representa o sucesso do Governo. “Este será o primeiro debate sobre o Estado da Nação em que já não estamos sob assistência financeira”, afirma o social-democrata Luís Montenegro ao PÚBLICO. “Vai ser um debate que pela primeira vez vai debater o seu estado com  a autonomia recuperada”, diz o centrista Nuno Magalhães. “Sem Portugal ser um protectorado”, acrescenta Magalhães.

Essa é a condição essencial para uma nova etapa governativa que a direita considera já estar em andamento. E uma argumentação que o primeiro-ministro ensaiou na véspera do debate, na abertura de um seminário empresarial luso-moçambicano, realizado num hotel de Lisboa. "Estabilizámos as contas do país depois de um período muito difícil. Agora apostamos tudo no crescimento económico e no emprego", afirmou Pedro Passos Coelho.

Mas à esquerda, o retrato será bem mais sombrio. “Depois de três anos deste Governo temos um país mais pobre, mais endividado e mais desigual” resume o vice-presidente da bancada do PS, José Junqueiro. Também o PCP considera que o país está “muito pior do que aquilo que tínhamos há três anos”. O líder parlamentar comunista, João Oliveira, destaca a emigração e o desemprego como os indicadores essenciais do Estado da Nação. E o Bloco de Esquerda tenciona confrontar Passos Coelho com a falha que detecta na argumentação em relação ao fim do protectorado. “Acabou o memorando mas a austeridade continua”, assinala o líder da bancada bloquista, Pedro Filipe Soares, depois de lembrar que o Governo vai continuar a “punir as pessoas com a sua política de austeridade”.

Do lado da direita, haverá pouco espaço para falar de austeridade. Tanto o PSD como o CDS optarão por centrar as suas intervenções nos “sinais encorajadores” - como referiu Montenegro - que permitem suportar a tese de uma nova etapa. Magalhães frisou ontem que o “1.º, 2.º e 3.º desafio” que o país agora enfrenta é a “captação de investimento”. Montenegro refere o “maior investimento” a par de uma “administração mais eficiente”, de “mais oportunidades de emprego”, e das “exportações” como o conjunto de indicadores positivos que indiciam uma viragem.

A queda no desemprego será um dos argumentos a utilizar. Montenegro destaca os “níveis de desemprego menos elevados”. Magalhães sublinha aquilo que se vê já “tenuemente”.

Palavras não muito diferentes das proferidas pelo primeiro ministro no seminário de ontem. Passos Coelho citou os dados mais recentes do Eurostat, assinalando a "descida de 2,6 pontos percentuais face ao mesmo mês do ano de 2014, descida essa que foi a segunda maior de toda a União Europeia".

E não será surpresa se o primeiro-ministro falar na "transformação" que liderou na economia portuguesa, permitindo a esta adquirir "uma base muito mais sólida e sustentável para o crescimento económico no futuro, já não assente em dívida, mas na produtividade, na criatividade e na concorrência".

Mas onde a maioria vê o um copo meio cheio, a oposição vislumbra um copo meio vazio. Sobre o desemprego, o socialista José Junqueiro destaca o facto de 50% dos desempregados estarem “sem qualquer auxílio”. Onde o Governo antecipa sinais positivos, o PCP vê a “violação da Constituição e das regras da democracia”. Quando a direita falar de “contas consolidadas”, o BE fará questão de recordar que a “dívida pública está para lá do que era previsto pelo Governo”.

Daí que qualquer um dos três grupos parlamentares assuma a intenção de apresentar “alternativas” ao “rumo” do Governo. Junqueiro antecipa que o PS tenciona “focar um conjunto  de  medidas fiscais amigas das famílias e das empresas”. A par da defesa, mais uma vez, de um outro “papel do BCE”, da mutualização da dívida e de outra capacidade de intervenção do Banco Europeu de Investimento. O PCP apontará o seu caminho para o “progresso, desenvolvimento e justiça social”, a par da devolução dos direitos retirados aos cidadãos. E o BE, depois de falar da “vida das pessoas” e dos “resultados que as políticas do Governo” tiveram aí - como a “falência da solidariedade social” - apontará também as suas “pistas”.

Mas para esses ataques, o Governo tem as suas respostas prontas. Para as propostas do PCP e BE, a direita acenará com o fantasma do "isolamento". Sabendo já o que desse lado surgirá, Montenegro alerta para a "situação de exclusão no contexto europeu". Seria esse o resultado das propostas de "saída da zona euro e de incumprimento de tratados" que Magalhães antecipa.

E quanto ao PS, não se livrará de ouvir alguns reparos sobre a "disputa interna em curso". Os socialistas vão ouvir que, num momento em que o essencial era ouvir que "caminhos" seguir, não se sabe quem escutar. "Resta saber qual é a alternativa do principal partido da oposição", alfinetou já ontem o líder parlamentar do CDS.

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