Duas fotografias

Se uma imagem vale mais que mil palavras, duas imagens valem muito, muito mais. Sobretudo quando os protagonistas falam línguas diferentes.

A semana política ficou marcada por duas fotografias tiradas em dois dias consecutivos. Na primeira, dois homens sentados numa sala em cara séria, do género ‘estamos aqui cada um na sua divergência insanável mas ambos sabemos como é importante esta fotografia’.

Passos jogava em casa e precisava da imagem que ali se transmitia como prova da sua boa-fé em prol dos consensos. Para consumo interno e externo. A assinatura de Seguro no Documento de Estratégia Orçamental era o trunfo pretendido, mas não essencial para ganhar o jogo. O importante estava já ganho e o líder do PS acabou por confirmá-lo, após a fotografia: o cumprimento do Tratado Orçamental está garantido para o futuro. Foi o suficiente para a segunda fotografia. Mas esta é mais constrangedora. Passos joga em Berlim e vai de mão estendida. Tem mesmo de a esticar para chegar à mão recolhida junto ao peito de Angela Merkel, incapaz de esticar o braço para além dos seus interesses.

Fernando Pessoa teve uma vez “um sonho como uma fotografia”, em que viu o menino Jesus descer à terra e contar que “no céu tudo era falso, tudo em desacordo”. Nas duas fotografias da semana, há uma mais parecida com esse céu do que outra. É aquela que tem por trás um grande azul, com uma águia de asas abertas em vez de uma estúpida pomba, e o aperto de mão claramente mais hipócrita que as divergências insanáveis, mas assumidas, que transparecem na outra.
 

  

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