Discursos duplos, a “decimazinha” e a austeridade dividem Passos e Costa

Uma confusão de "Evas", uma acusação de plágio, uma troca de argumentos a propósito das sanções por incumprimento do défice. No debate quinzenal desta sexta-feira não se discutiu só política.

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Passos Coelho enfrentou Costa no debate quizenal Daniel Rocha
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António Costa Miguel Manso

A aplicação de sanções a Portugal por incumprimento do défice em 2015, os resultados da política económica do actual Governo e a austeridade na Grécia continuam a dividir Pedro Passos Coelho e António Costa. O líder do PSD olha para o primeiro-ministro e vê menos crescimento, menos investimento e menos emprego. Costa olha para Passos e vê alguém que está preso "no discurso passadista". No debate quizenal desta sexta-feira, as diferenças de pensamento e atitude foram exploradas por ambos e em tom crispado. 

Os ataques que o líder social-democrata Pedro Passos Coelho dirigiu ao Governo visaram sobretudo os resultados económicos medidos pelos indicadores revelados nos últimos tempos. António Costa, articulado com o líder da bancada socialista, procurou sempre rebater as críticas do social-democrata e repescou a acusação de que Passos Coelho tem uma posição diferente em Portugal e em Bruxelas. Desta vez foi a propósito das sanções. A acusação foi devolvida com a austeridade na Grécia.

Passos Coelho levou o primeiro-ministro a admitir que também Portugal aprovou, nas instâncias europeias, o programa de austeridade grego para depois concluir que António Costa tem uma “duplicidade de discursos”. “Quando o Governo socialista aprova programas de austeridade para a Grécia está a ajudar a Grécia, quando o Governo anterior aprovava programas para a Grécia estava a prejudicar a Grécia”, vincou.

A estratégia de António Costa passou por insistir em criticar não só a ideologia que considera ter sido dominante nas políticas do anterior Executivo como a oposição. “É velha” e “está bloqueada no discurso passadista” e só se preocupa com a “decimazinha”, apontou o primeiro-ministro. Foi um ataque cerrado à bancada social-democrata, mas coube a Carlos César, líder da bancada socialista, lançar uma provocação sobre o futuro político dos líderes do PSD e também do CDS. “Fazem-se apostas se o senhor deputado Pedro Passos Coelho cai por causa das eleições nos Açores ou das eleições autárquicas e se a deputada Assunção Cristas perde ou não as suas oportunidades justamente por causa dessas eleições”, atirou. “Acho que nem um nem o outro vão cair: Aguentem, aguentem", desafiou. 

Mas o debate quizenal não viveu só do azedume entre Passos e Costa, coadjuvado por César. Houve outros temas, e casos, que marcaram o exame ao Governo, um dia depois de se cumprirem os primeiros seis meses de mandato. Saiba quais.

Convergência na Função Pública?

O recrutamento na Administração Pública foi lançado pelo primeiro-ministro como um dos possíveis temas de convergência com a oposição. Em resposta à líder do CDS-PP, António Costa disse “não ser particularmente contrário” ao actual modelo de recrutamento na Administração Pública encontrado pelo anterior Governo PSD/CDS, mas defendeu que tem de haver uma avaliação, sobretudo, ao uso que se faz dele. “A suspeita que tenho é que o que foi feito foi um mau uso do modelo”, disse o chefe de Governo, referindo um exemplo: “Quando os cargos da Segurança Social foram rateados entre o PSD e o CDS o problema não é do modelo mas do seu uso”. E, tal como já fez no passado, lançou a possibilidade de vir a negociar com a oposição alterações ao actual sistema, que permitissem alguma durabilidade, quando a oposição tiver “a cabeça mais fria e mais serena”.

A gaffe das “Evas” e o plágio

No momento em que tentava apontar a matriz ideológica no discurso de Passos Coelho, António Costa pegou num telemóvel com uma capa vermelha, de um outro membro do Governo (aparentemente do secretário de Estado Pedro Nuno Santos, que estava ao seu lado) e citou um título de uma notícia do Jornal de Negócios em 2012. Era uma frase atribuída ao próprio Passos Coelho –  “Só saímos desta situação empobrecendo” – num texto assinado por Eva Gaspar, que Costa referiu como uma pessoa que viria a ser assessora do ex-primeiro-ministro. Na verdade, Eva Cabral, que foi jornalista até 2011 no Diário de Notícias, é que viria a trabalhar no gabinete de Passos Coelho. O ex-primeiro-ministro corrigiu a gaffe de Costa mais tarde, mas o chefe de Governo não voltou a referir-se ao assunto. Não foi só a confusão com “Evas” que atingiu António Costa. Assunção Cristas acusou-o de “plágio” ao inscrever no Simplex+ algumas medidas que foram adoptadas pelo anterior Governo e que até já estão em prática. É o caso das consultas das qualificações de trabalhadores na Segurança Social directa ou a validação online da Declaração de Remunerações.

PCP e a Europa

Jerónimo de Sousa bem tentou mas não conseguiu levar António Costa para um registo mais crítico a Bruxelas por causa da ameaça das sanções por incumprimento do défice. “Não acha que é inaceitável esta ingerência desestabilizadora sistemática?”, questionou. E exigiu: “Chegou o tempo de dizer que se devem é concentrar-se nas suas tarefas e funções e respeitar a nossa soberania.” Mas António Costa não desarmou. “Nós temos, queremos ter, teremos e manteremos uma visão construtiva com as instituições europeias. Sabemos qual o quadro regulamentar dos tratados – e aí divergimos da posição do PCP”, disse o primeiro-ministro, limitando-se a considerar “chocante e politicamente inaceitável” que Bruxelas queira punir o actual Governo pelo falhanço dos objectivos do executivo PSD/CDS.

“35 horas estavam no acordo”

Catarina Martins lembrou António Costa em jeito de aviso: “Temos um acordo que fala da reposição das 35 horas para a Função Pública, que trabalhava 35 horas e foi obrigada a trabalhar mais cinco horas de graça pelo PSD/CDS.” Perante as dificuldades em implementar o novo horário, os partidos que apoiam o Governo aceitaram o adiamento para 1 de Julho, acrescentou a porta-voz do Bloco. “Não há trabalhadores de primeira e de segunda. Como é que podem ser compensados [os funcionários da Saúde que não podem passar já para as 35 horas]?”, quis saber Catarina Martins. António Costa foi evasivo: disse estar de acordo com Catarina Martins “no essencial”, recordou que enquanto presidente da Câmara de Lisboa não aplicou a norma das 40 horas, e reiterou ser necessário fazer uma “gestão e organização do trabalho em cada serviço”.

Para Cristas um tom jocoso

As respostas de António Costa à líder do CDS-PP nos debates parlamentares têm variado entre o elogio e o tom jocoso. Este último foi o que dominou a intervenção do primeiro-ministro no duelo com Assunção Cristas nesta sexta-feira. À pergunta curta de quantos dirigentes da Administração Pública foram nomeados por este Governo, Costa recomendou secamente a leitura do Diário da República. À acusação de que cometeu plágio ao inscrever medidas no Simplex+ que são do anterior Governo e já são aplicadas, o primeiro-ministro gracejou: “Vejo que ao menos é sempre fácil contentá-la: quando revertemos a lei, somos péssimos porque revertemos, quando não revertemos continuamos a ser péssimos porque não a revertemos". Já perante a insistência sobre a posição que o PS vai tomar no pacote legislativo do CDS sobre envelhecimento activo, depois de chumbar o da natalidade, o primeiro-ministro respondeu com a separação entre as duas funções – governativa e partidária – que acumula. E usou o tom jocoso para lhe responder: “Pensei que tinha ficado claro que quando quiser falar com o secretário-geral do PS [o próprio António Costa] ele vai ter consigo ao Caldas [sede do CDS], vai almoçar consigo, um peixe grelhado, em honra do amor comum pelo mar”. Cristas ignorou o convite, acusou Costa de não ter pensamento sobre envelhecimento activo e de ter uma bancada que é uma “excrescência” do partido. O líder da bancada socialista, Carlos César, registou mas não devolveu a farpa: “Não acho que a líder do PP seja uma sobra do seu partido nem uma excrescência da direita”.

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