Discursos de António Costa com alto teor programático

De 2012, ficou a imagem do hastear da bandeira nacional ao contrário. Mas as palavras do autarca zurziram as boas maneiras do executivo de Passos, do bom aluno na Europa.

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Nos últimos três anos, desde a intervenção da troika, os discursos de António Costa nas comemorações da implantação da República ultrapassaram em muito a vida municipal. Tiveram um elevado teor programático e um eco para além dos muros de Lisboa. Falaram do estado e dos desafios do país.

Há um ano, no 103º aniversário do 5 de Outubro, houve unanimidade. Costa fez um discurso de Estado e sobre o estado do país. Apelou a estratégias para o desenvolvimento e falou sobre o valor do consenso. O mesmo que, naquele Verão, o Presidente da República sugerira aos partidos do denominado “arco da governação” e que o secretário-geral do PS, António José Seguro, recusara. “Esta é a hora da construção de uma estratégia nacional de desenvolvimento justo e sustentável, que promova a competitividade, o crescimento, o emprego, a redução da pobreza e a indispensável consolidação duradoura das finanças públicas”, afirmou o autarca lisboeta.

No entanto, o presidente da Câmara deixou bem clara a sua fronteira com a maioria, que acusava Seguro de não ter avançado para o consenso por cedência a pressões da facção socialista na qual englobavam Costa: “A crise tem de ser combatida com as regras e os instrumentos da democracia. Não há contradição entre democracia e desenvolvimento económico, como não há contradição entre crescimento e consolidação financeira.”

Cavaco Silva fez, então, a defesa dos valores da igualdade e da ética republicana: “Ninguém pode ser privado dos seus direitos de cidadania, seja no plano político, seja no plano económico ou social” e que “trabalhadores no activo ou reformados, jovens ou idosos, homens ou mulheres, empregados ou desempregados, todos são cidadãos de pleno direito – e devem ser tratados como tal, no respeito pelos princípios da igualdade e da dignidade humana, inscritos na nossa lei fundamental.”

Uma referência de teor crítico em relação ao discurso do confronto de gerações do Governo, embora a intervenção do Presidente seja recordada pela defesa da qualidade do ensino público: “A defesa da qualidade do ensino, a busca da excelência e o reconhecimento do papel insubstituível dos professores correspondem a princípios essenciais de um civismo mais esclarecido, mais informado, mais amadurecido.” O que foi entendido como uma crítica às políticas do ministério de Nuno Crato. Mas, para a análise política, ficou o discurso de António Costa, o reformular do apelo ao consenso da comunicação ao país de 10 de Julho de 2013 do Presidente da República. De apontar um caminho.

Em 2012, a mesma via já fora traçada, apesar de, mediaticamente, as comemorações do 5 de Outubro terem ficado assinaladas pelo insólito hastear da bandeira nacional ao contrário. “Recusemos a tentação iníqua de querer fundar a nossa competitividade na mão-de-obra barata e desqualificada, na perda constante de rendimentos e de direitos. Temos de apostar na educação, ciência, inovação, criatividade, na cultura”, disse o edil lisboeta. E, mais uma vez, fez questão em marcar a diferença com o executivo de Passos Coelho, então ufano do cumprimento dos objectivos do memorando para além da troika: “Não acredito que um país com oito séculos de História e há três décadas na Comunidade Europeia tenha apenas para oferecer um estatuto de bom aluno. Memoriza-nos e infantiliza-nos.”

Quando, após a manifestação de 15 de Setembro, a coligação PSD/CDS vivia momentos de tensão devido às propostas de cortes, Cavaco Silva fez um discurso cauto. “O Presidente da República deve situar-se numa posição suprapartidária, acima das controvérsias políticas que marcam o dia-a-dia pois só assim pode ser moderador de conflitos, promotor de consensos, actuar com isenção e imparcialidade”, disse. Ainda assim, Cavaco reflectiu sobre uma realidade que então se afirmava, a nova emigração, ao sublinhar a necessidade de criar condições para que os jovens regressassem.

Em 5 de Outubro de 2011, após a assinatura do memorando da troika pelo Governo de José Sócrates e depois da vitória de Passos Coelho nas eleições de Junho, as comemorações da implantação da República são marcadas por dois registos diferentes. O Presidente refere que “perdemos muito tempo na letargia do consumo fácil e na ilusão do despesismo público e privado.” Cavaco Silva proclama que “se acabaram o tempo das ilusões” e fala de “austeridade digna”. Um misto de contenção – conter “gastos desmesurados” – e de nacionalismo económico: a defesa do consumo de produtos nacionais e de férias no país.

Na ressaca da derrota da sua família política, António Costa estabelece uma diferença entre a solidariedade e a “caridade anacrónica” ou o “assistencialismo serôdio”. E enuncia o que se pode definir como contra-ataque ao discurso maioritário e ao refluxo político dos seus. Uma intervenção com intuitos mobilizadores. “As crises são historicamente momentos de viragem, de ruptura, de descoberta de novos horizontes e de oportunidades para fazer diferente e melhor”, disse o autarca socialista.

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