Administração da RTP recusa demitir-se e desafia Conselho Geral

Todos os cinco directores editoriais da televisão e rádio da RTP pedem à ERC que esclareça com "urgência" poderes do CGI sobre conteúdos, porque consideram que houve uma “violação grave da autonomia editorial”. Regulador analisa caso na quinta-feira.

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A administração liderada por Alberto da Ponte diz que “cumpriu todos os seus deveres legais e estatutários" Nuno Ferreira Santos

O braço de ferro entre a administração da RTP e o conselho geral está para durar. A equipa de Alberto da Ponte desafia o órgão de supervisão com um comunicado em que diz ter cumprido “todos os seus deveres legais” e garante que “continuará a exercer o seu mandato na defesa exclusiva dos interesses da RTP”.

Em resposta à deliberação do Conselho Geral Independente de ontem em que anuncia o chumbo da segunda versão do plano estratégico por alegada falta de qualidade, a administração liderada por Alberto da Ponte garante que “cumpriu todos os seus deveres legais e estatutários, nomeadamente quanto ao projecto estratégico e à sua conformidade com o Plano de Desenvolvimento e Redimensionamento da RTP”.

Depois, deixa um desafio claro: tendo em conta que tem cumprido os seus deveres, esta administração “continuará a exercer o seu mandato na defesa exclusiva dos interesses da RTP e do serviço público de rádio e de televisão, no cumprimento da lei e das melhores práticas deontológicas”.

Esta reacção da administração deve ser lida à luz dos argumentos do CGI e do ministro Miguel Poiares Maduro. Por um lado, o órgão de supervisão alegou que o facto de a administração ter decidido sozinha o processo da Liga dos Campeões, sem o avisar, fez com que fossem violados o “dever de colaboração e o princípio de lealdade institucional”. O seu presidente, António Feijó, um dos dois elementos do CGI indicados pelo Governo, disse mesmo que a relação entre os dois órgãos está numa “situação talvez irreparável”.

Todos estes argumentos cabem, precisamente, numa das justificações possíveis nos estatutos para pedir a destituição da administração. A que se veio somar um outro, realçado pelo ministro: a administração não pode continuar em funções se não tiver um plano estratégico aprovado. Poiares Maduro voltou esta terça-feira a repetir o que dissera ontem: que só o CGI tem "o poder e a competência" de decidir sobre o plano estratégico e o futuro da sua administração.

O mesmo foi dito pelo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, que se referiu pela primeira vez à polémica na TV pública apenas para lembrar que compete, "nos termos da nova lei, ao CGI tomar as decisões que entender adequadas".

"Não quero nesta altura fazer nenhum comentário sobre a questão que envolve a RTP justamente para deixar o mais possível intacta a margem de manobra que o próprio Conselho Geral Independente — como o seu nome indica — deve ter para tomar as medidas que entender que são necessárias ", disse Passos durante uma visita a Vila do Conde.

Tentando amainar o ambiente tenso entre a administração e o Conselho Geral Independente, a equipa de Alberto da Ponte diz depois ser sua “intenção” continuar a “cooperar” com o órgão de supervisão “no respeito das competências de cada órgão para uma melhor RTP”.

Deixa, porém, também uma crítica implícita à entidade que lhe é hierarquicamente superior, a quem enviou uma “posição detalhada” sobre as “questões de relacionamento interno”.

A administração diz que tomou conhecimento da deliberação do CGI - que chumbou a segunda versão do plano e criticou duramente o processo de compra da Liga dos Campeões - ao mesmo tempo que a decisão era enviada à agência Lusa. Ou seja, também a administração quase soube pela imprensa a posição do CGI, quando este criticava a RTP por só saber pela imprensa do negócio dos direitos do futebol.

Directores de programas e informação recorrem à ERC
Entretanto, os cinco directores de informação e de programas dos canais de televisão e de rádio do grupo RTP pediram esta terça-feira à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que esclareça, com "urgência", se o Conselho Geral Independente (CGI) pode ou não ter competência para interferir na escolha de conteúdos editoriais como os direitos de transmissão da Liga dos Campeões. E falam mesmo numa “violação grave da autonomia editorial”.

O PÚBLICO apurou que o assunto será discutido na reunião do regulador desta quinta-feira, mas não é certo que haja uma decisão no mesmo dia.

A carta, assinada por todos os directores editoriais, pede a intervenção do regulador sobre uma situação que, dizem, parece “consubstanciar uma violação grave” da sua autonomia editorial, depois do comunicado muito crítico do CGI, na segunda-feira, sobre o processo de aquisição dos direitos da Liga dos Campeões para as épocas 2015/2018, por cerca de 16 milhões de euros.

Cada época custará à RTP 5,3 milhões de euros, onde estão incluídos a transmissão de rádio e os resumos dos restantes jogos que não emitir. Além do preço ser superior, a UEFA também terá escolhido a RTP em detrimento da TVI porque o operador público fará a emissão em alta definição (HD), apurou o PÚBLICO.

Os directores lembram que os estatutos da RTP estabelecem que a responsabilidade pela selecção dos conteúdos pertence aos respectivos directores de cada canal. E, por isso, defendem que é da sua “exclusiva responsabilidade” quer a selecção de conteúdos de futebol como a Liga dos Campeões, quer quaisquer outros desde que tenham o devido cabimento orçamental e estejam enquadrados pelo contrato de concessão de serviço público.

Acrescentam também que nenhum outro órgão interno ou externo à RTP tem competência legal para “definir ou determinar” quais os conteúdos que devem ou não ser incluídos nas grelhas dos vários serviços de programas, sejam de televisão ou de rádio.

Na mesma linha de argumentação, a administração veio responder às críticas do CGI sobre o negócio, afirmando em comunicado que a compra da Liga dos Campeões “foi feita sob proposta dos directores no âmbito da sua responsabilidade editorial”.

A equipa de Alberto da Ponte garante que a proposta foi aprovada no “respeito total das projecções financeiras para a empresa tal como previstas no novo contrato de concessão até 2019 [que ainda não foi assinado pela RTP e pelo Governo e aguarda o visto final do Ministério das Finanças], e no estrito cumprimento da autonomia de gestão do Conselho de Administração bem como das responsabilidades inerentes a este órgão”.

A administração defende que a decisão “corresponde ao melhor interesse da RTP (mas só desta), na sequência do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelo Conselho de Administração e pelos trabalhadores da RTP”. Trabalho que, vinca a equipa de gestão, fará com que as contas deste ano, tal como as do ano passado sejam positivas – com a relevância de o orçamento de 2014 não ter beneficiado de qualquer indemnização compensatória vinda do Estado.


Notícia actualizada com resposta da administração da RTP (13h25) e reacção do primeiro-ministro (14h10).

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