Denúncia contra Passos Coelho dizia que ex-secretário-geral da JSD também era pago para estar no CPPC

João Luís Gonçalves, ex-secretário-geral da JSD, não foi ouvido. Abertura de inquérito autónomo foi decidida depois de Passos anunciar que ia pedir esclarecimentos à PGR. Só foram tidos em conta os livros de contabilidade da Tecnoforma.

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Carta Passos Coelho à PGR deu entrada nos autos no dia do arquivamento Pedro Cunha/arquivo

A carta que denuncia pagamentos a Passos Coelho enquanto deputado em exclusividade também refere que João Luís Gonçalves, ex-secretário-geral da JSD, era igualmente pago para integrar a ONG Centro Português para a Cooperação (CPPC).

Esta foi seguramente uma das mais rápidas investigações criminais jamais realizadas em Portugal. Na terça-feira passada, dia 23, Pedro Passos Coelho anunciou em directo nas televisões e nas rádios que ia pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR), ainda nesse dia, que procedesse às “averiguações necessárias” para esclarecer, “tão rápido quanto possível”, se tinha cumprido todos os seus “compromissos legais e fiscais” no período em que foi deputado e dirigente do Centro Português para a Cooperação (CPPC). 

O pedido acabou por ser entregue a 24 e a PGR não podia ter trabalhado mais depressa: no dia seguinte, quinta-feira, estava redigido e entregue no gabinete do primeiro-ministro o despacho de 14 páginas que ele exibiu e fez distribuir na sexta-feira, na Assembleia da República, como prova da sua inocência.

As escassas 19 folhas que constituíam a totalidade dos elementos existentes naquele dia 23 no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) sobre as suspeitas de recebimentos ilegais por parte do primeiro-ministro encontravam-se em repouso, sem que ninguém parecesse muito interessado nelas. Ou à espera de oportunidade para tratar do assunto em profundidade.

A primeira de todas era um ofício com data de 4 de Junho deste ano, através do qual a chefe de gabinete da procuradora-geral da República transmitiu ao director do DCIAP, Amadeu Guerra, uma denúncia anónima recebida na PGR na véspera. O denunciante, numa única página escrita em computador, dizia que Passos Coelho recebeu, sem declarar ao fisco e durante “cerca de três anos”, uma verba mensal de cerca de cinco mil euros. 

Os pagamentos constituiriam a remuneração do então deputado em exclusividade pelos seus serviços enquanto presidente do CPPC, uma organização não governamental criada pela empresa Tecnoforma “para conseguir projectos de formação profissional financiados por entidades públicas como a Comissão Europeia”. O dinheiro seria pago através de cheque ou de transferência bancária para uma conta que Passos Coelho teria na agência do banco Totta & Açores no Pragal, em Almada, perto da sede da Tecnoforma. 

Segundo o denunciante, o montante pago teria sido “acertado” com o dono da empresa, Fernando Madeira, através do advogado João Luís Gonçalves, ex-secretário-geral da JSD quando Passos presidia a esta organização e membro fundador do CPPC (e mais tarde accionista da Tecnoforma).

A carta refere que João Luís Gonçalves “também era pago mensalmente com 500 contos (2500 euros) para fazer parte do CPPC” e que o dinheiro para ele e para o ex-deputado saía da Tecnoforma e da Liana, uma empresa também controlada por Fernando Madeira que foi dissolvida em 2011. 

Para lá daquela carta e das fotocópias da entrevista dada por Fernando Madeira à revista Sábado, em Maio deste ano, as 19 folhas relativas ao assunto dão conta da única coisa que foi feita para averiguar o caso: um pedido endereçado à Tecnoforma para informar se dispõe dos “registos da contabilidade” de 1997 a 2001 e “esclarecer a identidade” de José Duro, o homem que era apontado na denúncia como responsável pela contabilidade da empresa e do CPPC. 

A diligência foi ordenada a 20 de Junho pelo procurador Paulo Gonçalves — então titular do processo 222/12, no qual as actividades da Tecnoforma estão a ser investigadas desde o início de 2013 — e traduz-se em mais sete páginas de correspondência trocada entre o DCIAP e a empresa acerca do pedido de “confiança provisória” dos elementos da sua contabilidade que disse ter disponíveis (livros de “Diário Razão Balancete”  e “Inventário e Balanços”). 

O magistrado determinou ainda, em 14 de Julho, que fosse contactado José Duro, a fim de ser agendada a sua inquirição, e que fosse recolhida a documentação da Tecnoforma.

Até 9 deste mês, todavia, nada aconteceu, tendo então o procurador Rui Correia Marques — que assumira a direcção do processo 222/12, depois de Paulo Gonçalves deixar o DCIAP, a 15 de Julho e a seu pedido — ordenado o levantamento dos livros. A ordem é cumprida no dia seguinte. 

Duas semanas depois, a 23, Passos Coelho anuncia o pedido que vai dirigir à PGR. A carta dá entrada a 24, sendo reencaminhada para o director do DCIAP a 25. Nesse mesmo dia, Amadeu Guerra despacha-a para “o titular do inquérito”. 

Mas o documento, de duas páginas, já não foi integrado no processo 222/12. 

O novo inquérito 
Na véspera, a 24, quando o país inteiro já conhecia o objectivo do pedido do primeiro-ministro, o procurador Rui Marques proferiu um despacho em que escreve: “Mostrando-se realizadas todas as diligências necessárias à apreciação da denúncia apresentada (...) extraia certidão [das 17 folhas respeitantes a ela] e remeta-a à distribuição para instauração de inquérito autónomo, propondo-se ao exm.º sr. director a distribuição do mesmo ao signatário.”

O processo do inquérito assim instaurado e atribuído a Rui Marques no dia 24, o 361/14, passou então a ser constituído apenas pelas 22 páginas relativas a este assunto, que se encontravam no processo 222/14, e por um apêndice com os cinco livros de contabilidade da Tecnoforma. [O DCIAP não permitiu, nesta segunda-feira, a sua consulta pelos jornalistas, invocando o “segredo comercial” da empresa].

No dia seguinte (25), os autos foram engrossados com as duas páginas da carta de Passos Coelho e com o ofício da PGR que a acompanha, passando a contar 25 folhas. No mesmo dia, quinta-feira, o processo foi presente ao procurador, ficando a folha da sua remessa para despacho com o n.º 26. Ainda nesse dia, Rui Marques redigiu as 15 páginas que se seguem e que dão corpo ao despacho de encerramento do inquérito.

O processo ficou com um total de 41 folhas e o procurador determinou o seu arquivamento, em resposta ao pedido de esclarecimento do primeiro-ministro. O despacho, que é justificado com a prescrição, em 2007, do crime de fraude fiscal que poderia estar em causa, inicia-se, aliás, com a explicação de que a sua finalidade consiste em apreciar aquele pedido “face aos elementos disponíveis”.

Nos autos não consta que tenha sido feita qualquer diligência para contactar José Duro, que segundo a revista Sábado já faleceu. À Tecnoforma não foi pedido qualquer outro documento além dos livros enviados. A contabilidade da Liana não foi pedida. A do CPPC também não. João Luís Gonçalves não foi ouvido. Passos Coelho também não. No seu caso, todavia, a carta que dirigiu à PGR refere que ele está “firmemente convicto de que sempre cumpriu as obrigações legais a que estava vinculado”.

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