De que lado está o PÚBLICO?

Provedor do Leitor

Inevitável. Num período eleitoral intenso como este que estamos a viver, os leitores discutem o posicionamento dos media face aos diferentes partidos concorrentes. Não havendo na nossa tradição política a prática de determinados órgãos de comunicação declararem expressamente qual o partido que apoiam, é natural que os leitores averigúem a conduta dos diferentes meios de comunicação social.

Obviamente, que essas conclusões, na maior parte das vezes, podem estar feridas pela lente de visão parcial, e não isenta, que cada leitor, ouvinte ou telespectador reclama sobre o comportamento de cada jornal, rádio ou estação televisiva. Em Portugal, os media, em regra, preferem autodefender-se com a preconcepção de que praticam, na sequência dos códigos de jornalismo independente, nesta matéria de notícias políticas e partidárias, como nas outras, a isenção, o rigor e exactidão. Desta teorização à prática vai toda a distância que uma análise, em parâmetros da objectividade possível, pode medir.

Evidentemente, vivemos todos num mundo concreto e todos sabemos as diferenças que distam entre os princípios e as práticas. Neste campo específico como nos outros, a proclamada “santa objectividade” pode ser um ideal desejado por todos, mas padece de “pecadilhos” a que ninguém escapa. 

Não admira, por isso, que grande parte das “queixas” recebidas, nestes dias, incida sobre a “acusação” que, correcta ou incorrectamente, imputam ao PÚBLICO de falta de isenção. O leitor Luís Ribeiro em relação à "Carta de Passos Coelho a Sócrates em 2011", publicada na primeira página do PÚBLICO de 16.09.2015, e que, na força do título escolhido pelo jornal, interpretava que tal documento "dava apoio à vinda da troika", reage assim: "Não consigo entender as intenções da v/ colaboradora São José Almeida, nas páginas dedicadas às legislativas de 2015, em transcrever partes da carta, confidencial, que Passos Coelho escreveu a José Sócrates em 31 de Março de 2011. Passos diz na carta que, tento tido conhecimento através do Banco de Portugal e da Associação Portuguesa de Bancos de o sistema financeiro Português não estar em condições de assegurar as suas responsabilidades nos meses mais imediatos, 'se o governo achar por qualquer razão, é preciso contrair um empréstimo especial para evitar incumprimento de Portugal no exterior, o governo tem todas as condições para o fazer, e não é o PSD que vai pôr isso em causa. O PSD apoiará isso'. Para já o título 'Carta de Passos a Sócrates em 2011 prometia apoio à vinda da troika' não tem nada a ver com o teor da carta." (…)

O leitor Luís Ribeiro acusa ainda a divulgação de uma "carta confidencial", sem o respeito dessa condição. Aliás, sobre esta questão, o leitor Miguel de Azevedo escreve: "Habituei-me a encontrar um certo rigor nos textos do PÚBLICO. Hoje, no entanto escreve-se no PÚBLICO que Pedro Passos Coelho exigiu ao governo de Sócrates a vinda da troika em 2011. Li a carta. Em sítio algum se lê ou subentende qualquer exigência, apenas garantia de um apoio responsável. (…) Se o PÚBLICO quer tomar partido na campanha eleitoral (que, nota-se a milhas, já tomou) que o assuma." 

Sobre este assunto, interroguei a jornalista São José de Almeida, que me respondeu: “A intenção que leva à divulgação da carta é noticiosa. Era um documento de que se sabia a existência, mas não o conteúdo concreto, logo um documento importante para a aferição concreta do que se passou”.

Estamos perante um exemplo que ilustra toda a teorização que faço no intróito desta minha crónica. Antes de mais defendo que a responsabilidade da divulgação deste documento, embora em texto assinado pela jornalista São José de Almeida, como é prática corrente deste jornal, terá de ser atribuída ao PÚBLICO, que entendeu ser este um documento de interesse nacional. E como o leitor pode constatar esta divulgação teve logo diferentes interpretações. E, para tanto, basta o registo que o PÚBLICO fez da reacção de Passos Coelho: só pode ser entendido como “um tiro que saiu pela culatra”, e só pode constituir “um grande embaraço para o PS e não para mim".

É certo que neste facto há autores e co-autores. Mas, para o entendimento da história de séculos deste nosso Portugal, para além de episódios soltos, seria mais decisivo para a verdadeira consciência da pátria que somos ter em conta o artigo que o historiador Vasco Pulido Valente publicou anteontem neste jornal, sob o título “Protectorado”. Infelizmente uma coisa que falta à grande maioria de nós portugueses, que amamos este país, é um conhecimento aprofundado do trajecto deste país. E se falta aos cidadãos em geral, escasseia muito gravemente aos nossos políticos que “gerem”, como podem e sabem, os momentos episódicos, mas não manifestam rasgos de total compreensão de como viemos até aqui e de como poderemos modificar o nosso futuro.

Neste diapasão de “queixas”, surge outro exemplo, nesta carta da leitora Maria Isabel Martins: "… Desde o seu primeiro número, ainda considero que este jornal é dos poucos que merece que se diga que é um 'jornal de referência'. (…) O que me leva hoje a escrever-lhe é a minha indignação pela publicação da 'reportagem' assinada pela jornalista (…) Sofia Rodrigues na edição de 12.09.2015. A Antena 1 transmitiu um debate no dia 11 de Setembro com as candidatas de quatro partidos do círculo eleitoral de Lisboa. O jornal PÚBLICO e a referida jornalista" – saiba a leitora que eu tiro sempre as apreciações depreciativas e subjectivas feitas a jornalistas "entenderam que a publicação de uma fotografia de Paula Teixeira da Cruz e das suas declarações deveria ocupar toda a página, deixando 14 linhas para Rita Rato (CDU), Mariana Mortágua (BE) e Helena Roseta (PS), que são reduzidas a emissoras de “críticas da 
oposição”, como se tivessem sido convidadas apenas para servir de contraponto à candidata do PSD. Critério jornalístico? Muito grata ficaria se me pudesse explicar o que é que esta página está a fazer num jornal que, a cada dia que passa, mais se distancia de um “jornal de referência. (…)

Concordo que a leitora não deixa de ter alguma razão quanto à desproporção do espaço da personagem fulcro da notícia e da atenção dada no texto às outras intervenientes do dito debate. Já, por mais de uma vez, comentei este desajustamento entre o conteúdo dos textos e a escolha das gravuras para dar “chamamento” gráfico às páginas do jornal.

Evidentemente este tema da conduta dos media face à campanha eleitoral merece muitas outras considerações. Uma coisa é indesmentível: Proclamada que seja a sua independência, pelo modo em que está ainda instituída a discussão pública sobre os mecanismos entre valências mediáticas e valências politicas, os media (e também o PÚBLICO) não podem desdenhar as responsabilidades que têm face às escolhas dos cidadãos. Desde os critérios com que elegem os protagonistas do espectro político às constelações dos comentadores que privilegiam.

Da parte do PÚBLICO, espero que a apresentação de todos os outros partidos concorrentes, como faz na edição de ontem, tenha prosseguimento. Os critérios editoriais, efectivamente, podem não diferir das preferências dos efectivos votantes. Mas precisamos saber mais algo sobre os 18 e não apenas sobre os cinco partidos com assento na AR. Nem que seja para começar a justificar a grande abstenção que se prevê. O lado de que o PÚBLICO, estatutariamente, terá de estar é o de “um jornal de grande informação (…) sem qualquer dependência de ordem ideológica, política e económica”.

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