De excepção em excepção…

Para uns os cofres estão cheios, para outros estão tão vazios que se vê o fundo. O discurso do Governo não bate certo.

A questão da sustentabilidade da Segurança Social pública e privada tem sido um mote recorrente do discurso da actual maioria política. De resto, foi em nome da preservação do sistema que o Governo tomou um conjunto de medidas fazendo incidir sobre os actuais e futuros pensionistas uma fatia importante do programa de austeridade negociado com a troika. Cortes nas pensões, taxa especial de solidariedade, aumento da idade da reforma para os 66 anos e agravamento das penalizações a quem se reformar antes do tempo fazem parte do pacote das decisões mais emblemáticas tomadas nesta área. O tema tem estado em cima da mesa ao longo de todo este ciclo de governação, mas, em vésperas de eleições, o debate intensificou-se. Primeiro, pelas propostas há algumas semanas lançadas pelo PS no âmbito da preparação do seu programa eleitoral; agora, pelas recentes declarações da ministra das Finanças dando como certa a necessidade de cortar mais 600 milhões na Segurança Social. A diferença é que os socialistas tentam encontrar soluções alternativas ao actual modelo de financiamento do sistema, enquanto Maria Luís Albuquerque se limitou a acenar com mais um corte. Por mais voltas que os spin doctors dêem para tentarem iludir as palavras da ministra foi isto que a própria afirmou, sem tirar nem pôr. O que, diga-se, até é positivo, pois clarifica posições e facilita as escolhas do eleitorado. 

Só que o discurso sobre a pré-anunciada falência da Segurança Social do Governo, cuja consequência está implícita na lógica dos novos cortes agora revelados, não bate certo com os actos da titular das Finanças. Ainda agora, contrariando tanta preocupação, a ministra deu luz verde à pré-aposentação dos polícias aos 55 anos, que passa a ser efectiva aos 60 anos, sem cortes nos vencimentos. Aliás, este autêntico privilégio vem na sequência de medidas muito semelhantes recentemente aprovadas para as Forças Armadas, que miraculosamente também viram de um momento para o outro serem descongeladas milhares de promoções, mais precisamente 6088 nos três ramos. Não está em causa se as medidas são justas ou não, mas sim a incongruência destas decisões face ao discurso sobre a falência dos sistemas públicos de pensões ou da tão propalada contenção nos gastos da Administração Pública. Ainda há poucas semanas se ficou a saber que, apesar do congelamento em vigor de prémios ou benefícios decorrentes da avaliação dos trabalhadores do Estado, os funcionários do fisco iriam receber uma compensação extraordinária pela superação dos resultados previstos para a cobrança coerciva. Como se vê, o Governo tem dois discursos: para uns, os cofres estão cheios; para outros, estão vazios e são precisos cortes. Tanta discricionariedade dá que pensar e não deixa de ser inquietante que sejam justamente polícias, militares e o fisco a beneficiarem das excepções simpáticas oferecidas pelo Governo.

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