David Justino "esqueceu-se" de declarar rendimentos ao fisco

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Quanto a 2002, David Justino declarou ao tribunal que o seu rendimento colectável bruto ascendeu a 31.185 euros, valor que nada tem a ver com a realidade Estela Silva/Lusa

O ex-deputado, ex-vereador da Câmara de Oeiras e actual ministro da Educação, David Justino, omitiu na sua declaração fiscal relativa a 2001 os rendimentos que auferiu durante dois meses e meio na qualidade de vereador a tempo inteiro da autarquia então presidida por Isaltino Morais.

Para lá desse "esquecimento", que diz ter corrigido nas Finanças, depois de confrontado pelo PÚBLICO com a situação, o ministro declarou ao fisco um total de 76.597 euros de rendimentos em 2002, enquanto ao Tribunal Constitucional comunicou, por "lapso", apenas 31.185 euros. Ao contrário do "esquecimento" referente a 2001, o "lapso" relativo a 2002 já foi corrigido no Tribunal Constitucional.

Eleito deputado em Outubro de 1999, o então vereador de Oeiras acumulou as suas funções em São Bento com as de autarca "sem tempo" e sem remuneração, recebendo da câmara apenas as senhas de presença previstas na lei, até 1 de Julho de 2001.

Cinco dias antes, a 27 de Junho, Isaltino Morais, então presidente da Câmara de Oeiras, havia feito aprovar na câmara uma proposta sua que contemplava a passagem de cinco para seis no número de vereadores que o município podia ter em regime de permanência - o que significa, entre outros aspectos, o pagamento da respectiva remuneração integral. Isaltino não referiu o nome de David Justino, mas justificou a proposta com "o crescente incremento das actividades dos vereadores nas diversas áreas de actuação".

A 2 de Julho, David Justino passou à situação de vereador em regime de permanência, ao mesmo tempo que suspendeu o seu mandato de deputado. Passados dois meses e meio, a 17 de Setembro, regressou ao regime "sem tempo" na câmara e reassumiu o seu mandato de deputado.

Durante aquele período recebeu da autarquia 9560 euros em vencimentos e despesas de representação, enquanto no resto do ano auferiu 1637 euros em senhas de presença - o que soma um total de 11.234 euros. Quanto aos nove meses e meio em que desempenhou as funções de deputado, o valor total sujeito a IRS que lhe foi pago pela Assembleia da República ascendeu a 41.078 euros - o que, juntamente com os pagamentos da autarquia, perfaz um rendimento total a título de trabalho dependente de 52.322 euros.

Um "esquecimento" em 2002

A declaração de rendimentos que apresentou ao fisco em 2002, tal como a que depositou no Tribunal Constitucional após a sua entrada para o Governo em Abril desse ano, indica, todavia, que o rendimento colectável bruto do seu trabalho se ficou pelos 41.078 euros (sendo 16.431 retidos a título de IRS), valor esse que é manifestamente inferior ao rendimento habitual dos deputados.

Questionado pelo PÚBLICO acerca da exactidão do valor declarado ao tribunal, o ministro informou por escrito, em Setembro passado: "Não existe qualquer lapso, aproveitando para confirmar o valor de 41.078,17 de rendimento bruto, conforme Declaração de Rendimentos - IRS, Modelo 3." Verbalmente, David Justino afirmou que em 2001 tinha estado sempre em regime de "sem tempo" na câmara e que portanto não auferira quaisquer proveitos. Quanto às senhas de presença a que tinha direito nessa condição e que não constavam das declarações apresentadas, reconheceu o facto, mas afirmou tratar-se de valores sem significado.

Confrontado pelo PÚBLICO com informações oficiais da assembleia e da câmara que mostravam ter ele estado em regime de permanência em Oeiras durante dois meses e meio, o ministro confirmou o facto, fazendo saber que se tinha "esquecido". A explicação dada para o sucedido prende-se com o extravio do documento anualmente emitido pela câmara para efeitos fiscais, razão pela qual, ao declarar os seus rendimentos ao fisco tenha omitido os valores pagos pela autarquia. Por isso mesmo, adiantou, ia pedir uma segunda via para corrigir a declaração.

"Sou credor e não devedor"

Em resposta a novos pedidos de esclarecimento a que nunca se furtou, o ministro informou por escrito em meados de Outubro o seguinte: "Já tenho em meu poder a declaração da Câmara Municipal de Oeiras relativa aos rendimentos auferidos nos dois meses e meio em que suspendi o mandato de deputado e regressei ao meu mandato de vereador na Câmara Municipal de Oeiras. Nela pude constatar, como presumia, que efectuei a retenção e demais descontos pela 'categoria A' que é a máxima. Por uma questão de rigor irei fazer a rectificação à declaração de IRS do ano respectivo e espero poder receber mais algum dinheiro a que tenho direito e de cujo cálculo me permite concluir que sou credor e não devedor."

A declaração emitida pela autarquia confirma que sobre os 11.234 euros que David Justino recebeu em 2001 e não declarou ao fisco foram retidos para pagamento de IRS 2333 euros, o que corresponde a uma taxa de 20,8 por cento.

Fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO afirmam, contudo, que a omissão de rendimentos, independentemente de sobre eles terem sido feitas retenções na fonte, configura um ilícito fiscal e põe em causa a conclusão de David Justino de que é credor e não devedor. "É preciso ter em conta todos os elementos da declaração, mas parece-me pouco provável que tenha alguma coisa a receber e não a pagar", afirmou Saldanha Sanches, um dos peritos contactados. "Em princípio, dado o montante de rendimento omitido, não se trata de um crime fiscal, mas de uma contraordenação punível com coima", acrescentou.

Já a afirmação do ministro de que efectuou "a retenção [de IRS] e demais descontos pela 'categoria A' que é a máxima" não faz sentido em termos fiscais, na medida em que a "categoria A" não é a máxima, nem a mínima, mas apenas a que se reporta aos contribuintes que trabalham por conta de outrem.

Consultadas as declarações de rendimentos do ministro da Educação arquivadas no Tribunal Constitucional, o PÚBLICO verificou na semana passada que a omissão em causa não foi corrigida nessa sede.

Um "lapso" em 2003

Quanto a 2002, ano em que foi deputado e depois ministro, David Justino declarou ao tribunal que o seu rendimento colectável bruto ascendeu a 31.185 euros, valor que nada tem a ver com a realidade. Questionado sobre a sua correcção em Setembro, David Justino respondeu no dia seguinte: "Existe de facto um lapso na declaração de rendimentos e património por mim apresentada ao Tribunal Constitucional, dado que o rendimento bruto de trabalho dependente, referente ao ano de 2002, não é de 31.185 euros, mas sim de 76.597 euros, conforme declaração de Rendimentos - IRS, Modelo 3. Basta conhecer qual a remuneração do cargo de ministro para se perceber que teria de haver lapso. Aproveito para o informar que já fiz chegar ao Tribunal Constitucional uma informação rectificativa que será apensa à declaração inicial."

Os impostos do ministro foram nesse ano calculados e pagos sobre o valor efectivamente recebido, mas David Justino não encontrou explicação para o facto de ter declarado ao tribunal menos de metade do que declarou ao fisco.

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