Da resiliência dos grandes partidos à confiança do centro em Costa

Os estados-maiores partidários têm um duro Verão pela frente. Nada está resolvido, mas o PS tem motivos para um contentamento cauteloso.

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Nelson Garrido

A sondagem da Intercampus para o PÚBLICO, TVI e TSF, para além de desfazer o empate técnico entre a coligação PSD/CDS, no poder, e o PS, revela a resiliência do sistema político-partidário, anotam politólogos e especialistas. António Costa, que finalmente deu confiança ao centro, tem num cenário sem maioria absoluta o dilema de como lidar com a esquerda.

“Os resultados permitem ao PS estar cautelosamente optimista, desfez-se o empate técnico, o trabalho de campo da sondagem coincidiu com o pior da crise grega e a tentativa do Governo de Passos Coelho de colar Costa ao Syriza”, anota Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais. “Não há surpresas, há que esperar pela consolidação até Setembro e pela evolução da realidade interna e externa”, pondera José Manuel Leite Viegas, director do mestrado de Ciência Política no ISCTE-IUL.

“Vai ser uma campanha bastante intensa, o resultado não está completamente decidido”, prognostica Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro. Em causa estão, ainda, 20% de indecisos, e o facto de nos meses de Verão os cidadãos estarem mais afastados dos meios de comunicação, palco da esgrima dos argumentos políticos. “O facto de António Costa aparecer à frente não é displicente”, observa Ana Rita Ferreira, do Instituto de Políticas Públicas e professora da Universidade da Beira Interior.

Em vários tons, nestes comentários surge um “factor Costa”, ou seja o desempenho do secretário-geral dos socialistas. “Tornou-se mais claro, deu mais segurança ao centro, mas tem o dilema de não assustar as classes médias, que não gostam de aventuras, e fazer pontos à esquerda”, analisa Leite Viegas. “Não se trata de uma questão de grau, mas de uma mudança qualitativa”, insiste.

“A confiança que se deposita no líder é muito importante, há uma diferença em relação a António José Seguro há um ano, o que é bom para o PS”, recorda Mariana Costa Lobo. “O PS parece ter ido buscar um líder político que agrada mais ao eleitorado, o que é importante para a tendência de personalização que se acentua em campanha eleitoral”, corrobora Rita Ferreira. “O PS surge como mais votado por uma margem pequena, uma vitória pírrica, razão pela qual se afastou do discurso da maioria absoluta”, contrapõe Carlos Jalali.

Há unanimidade, e prudência, na avaliação mais positiva de António Costa no confronto com Passos Coelho. Perante esta dicotomia, o eleitorado de esquerda prefere o secretário-geral socialista. O que não significa que vote nele, e aí reside a melhor avaliação de Costa do que o seu partido.

A sondagem é também esclarecedora quanto à desafeição que o sistema político suscita aos portugueses. Em capítulos tão decisivos como dizer a verdade, a confiança, a honestidade e a seriedade, Costa e Passos são suplantados pelo número dos que neles não reconhecem esses valores. Os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO são consensuais sobre esta evolução, já detectada em anteriores sondagens.

Daí decorre a classificação negativa de todos os líderes políticos, abaixo da fasquia de cinco na escala de zero a dez. Com a particularidade de, no sopé, depois de Marinho e Pinto, estarem Passos e Paulo Portas, o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro. “É muito inquietante, cabe aos políticos inverter esta situação pelo cumprimento das promessas eleitorais”, sintetiza a professora da Universidade da Beira Interior. Opinião partilhada pelos outros membros do painel que encontram um agravamento desta tendência com as vicissitudes da crise.

No entanto, a sondagem revela, paradoxalmente, um facto que não se coaduna com a desconfiança. “Há uma resiliência do sistema partidário português com poucas perdas dos principais partidos e é baixa a intenção de voto nas pequenas formações”, indica Carlos Jalali. Longe, portanto, dos cenários de desagregação dos modelos tradicionais de alternância, como ocorre em Espanha e aconteceu, antes, na Grécia. Em Portugal, a existência de um sólido eleitorado comunista – 11% na sondagem – impossibilita estes fenómenos desagregadores do status quo partidário.

No eleitorado português há, ainda, uma vontade de estabilidade. Como denota a preferência de 65,7% por uma maioria absoluta, e um apego ao centro. “Preferem uma coligação PS/PSD/CDS a um Governo maioritário de esquerda”, destaca o professor da Universidade de Aveiro. “Há 36% que preferem um bloco central e 33%, um terço, que prefere alianças à esquerda, o que pode pôr pressão sobre o PCP e o Bloco”, contrapõe Ana Rita Ferreira. “Até às eleições, António Costa vai ser confrontado com o que quer fazer à esquerda do PS”, adverte José Manuel Leite Viegas.

Nem todas estas peças se jogam internamente. “O tema da Europa faz parte do cálculo eleitoral, parte da governação depende de Bruxelas, o que finalmente é entendido pelos eleitores”, admite Marina Costa Lobo. “A política interna europeizou-se, é uma inversão do que até agora acontecia, as eleições nacionais servem para discutir temas europeus”, continua. Na memória do recente debate do estado da Nação estão as múltiplas referências à Grécia. “O que polariza o voto ao centro, até agora não havia diferenças em política europeia entre o PS e o PSD, apareceu um novo contexto eleitoral”, conclui.

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