Da instalação do medo ao início da libertação

É assim a política do medo, nada questionar, só executar, sem pestanejar.

Não pode deixar de ser estranho que, depois de quarenta e oito anos de ditadura e de quarenta de Democracia, o exercício do poder executivo seja pontuado com tentações de uso do medo na construção do discurso político. É certo que as lentes garrafais que alguns usavam num tempo bem mais recente já não vislumbram nenhuma claustrofobia democrática, mas, tal como na ficção de Rui Zink, o Governo atua em permanente estado de “instalação do medo”.

Ele foi o medo da bancarrota, o medo da falência da Segurança Social, o medo do fim do Estado social, o medo dos retrocessos nos direitos e nos avanços civilizacionais e o medo permanente suscitado pelo anúncio de medidas muitíssimo negativas para depois serem aplicadas menos umas décimas de austeridade. O objetivo é o de gerar a resignação, o conformismo e o alívio por o corte realizado ser ligeiramente abaixo do previsto. Podia ter sido pior, pensam alguns.

Outra das linhas do medo é a do fomento das divisões entre os portugueses tendo por base a inveja e a denúncia de alegados privilégios, enquanto as grandes fortunas aumentam mais de 14% em 2013. Colocar os mais jovens contra os idosos, os trabalhadores do setor privado contra os funcionários públicos, os que têm apoios sociais contra os que não têm, os do interior contra os do litoral, sempre numa lógica divisionista insuscetível de gerar qualquer mobilização dos portugueses para saírem da crise.

Outra das linhas do medo é a da consagração da incerteza como a tónica que pontua a vida de milhares de portugueses, incerteza em relação aos rendimentos do trabalho, às reformas e às pensões, incerteza em relação aos serviços prestados pelo Estado e incerteza generalizada em relação ao futuro. Medo que não chegue, medo que não tenha ou simplesmente medo. O Governo desregulou as nossas vidas, numa espécie de mimetização com o funcionamento da globalização e numa deriva de aproximação aos modelos de sociedade com respostas de protecção social mais débeis, conformadas com a colocação de cidadãos na rota da exclusão social e da pobreza.

Na ânsia de tanto usar o medo, o Governo ficou refém desse modus operandi. Não questiona, não argumenta, não suscita a dúvida, mesmo que seja para ousar sustentar uma visão diferente em defesa do interesse de Portugal, com menos sacrifícios para os portugueses. Os sinais positivos são milagres, os sinais negativos são danos colaterais. É assim a política do medo, nada questionar, só executar, sem pestanejar. E depois são apanhados na curva. Afinal, o consenso é, sobretudo, conversa nacional da maioria PSD/CDS, pois as garantias do tratado orçamental e da lei de enquadramento orçamental são seguras que baste para a musa inspiradora das políticas de empobrecimento que têm seguido em Portugal.

Afinal, a falta de consenso por uma insuperável divergência entre a estratégia orçamental do PS e do Governo não tem nenhuma relevância negativa nos juros da dívida pública. O contraste é colossal, quando comparado com as consequências da crise política do verão passado da demissão irrevogável de Paulo Portas.

Pasma-se em Portugal que um líder possa ser coerente com um percurso político de quase três anos, em que antecipou a importância de haver uma estratégia para a criação de emprego e para o crescimento económico, em que defendeu mais tempo e juros mais baixos para uma consolidação orçamental sustentável, com menos sacrifícios e sempre com um discurso político linear sobre a construção europeia.

Mas o que verdadeiramente nos deve indignar é a incoerência, a falta de transparência, a falta de respeito pela dignidade humana, a incerteza instalada na vida das pessoas e a promoção de uma certa cultura de medo. É para iniciar esse caminho de libertação do medo que estão todos convocados, a 25 de Maio. Afinal, o voto é secreto.

Secretário nacional do PS

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