Da crise de 2001 para a crise de 2015: estamos pior ou melhor?

Só os marxistas “lusíadas” que nos governam é que acreditam piamente na determinação da superstrutura pela infra-estrutura, ou seja, acreditam que tudo se remete àquilo que eles pensam ser a “economia”.

Estamos pior em 2015 do que estávamos em 2011? A pergunta não pode ser colocada assim. É como aquelas perguntas sobre o que é que existia antes de haver o universo, que diferenciam o tempo do espaço, ou seja, podem ser boa psicologia, mas são má física.

A pergunta sobre se estamos pior ou melhor em 2015 do que em 2011 faz uma coisa semelhante: considera que a comparação se pode fazer a partir de realidades semelhantes e, na prática, usa as condições de 2011 para as comparar com as de 2015 e não ao contrário. Não sai de 2011, o que é compreensível, porque muito do que era mau em 2011 não foi mudado e muito do que é mau em 2015 é incómodo de comparar.

A pergunta não pode ser feita de trás para a frente, porque o “tempo não volta atrás”. Esta pergunta é uma típica pergunta de 2011, feita numa altura em que vivemos em 2015, daí o seu conteúdo propagandístico. O que se pretende na propaganda é considerar que o principal problema de 2011 continua a ser o principal problema de 2015, o que não é verdade, e serve para ocultar os novos problemas de 2015 ou dar-lhes uma interpretação monística, apenas como subprodutos do problema de 2011. Qualquer coisa corre mal em 2015? A culpa é da “herança” de 2011. Não é verdade. Há muita coisa a correr mal hoje que é herança de 2012, 2013, 2014 e 2015.

Esta vai ser a linha propagandística do PSD e do CDS nas eleições de 2015: tudo emana de um único e central problema – Portugal vivia acima das suas posses –, e essa é a política dos “socialistas” desde sempre, tendo “rebentado” em 2011. Em bom rigor, e se seguirmos as teses de Maçães, esta é a política do pós-25 de Abril, que apenas Passos Coelho rompeu, deseja ele, definitivamente. Uma das características desta maneira de pensar é que é a-histórica: Portugal é o mesmo desde D. João VI, e a partir daí é só “socialistas”, menos o Dr. Salazar, um interregno benéfico no “viver acima das suas posses”, ou seja, do “socialismo”.

O resultado é a fixação na bancarrota de 2011, aliás erradamente comparada aos resgates anteriores, que tiveram outra natureza e resolução, e a ocultação do modo como o Governo de Passos Coelho-Portas respondeu ao memorando, o principal produto dessa bancarrota. Fixam-se na crise de 2011 para não falar da crise de 2015. Mas é essa que vai às urnas e não a gerada por Sócrates.

Em 2011, Portugal conheceu uma grave crise financeira, ficando a um passo da bancarrota. Em 2015, Portugal conhece uma grave crise económica, social, política e moral, sem ter resolvido a sua crise financeira. A bonança dos juros é internacional e conjuntural, pode acabar amanhã. E tudo desaba como um castelo de cartas, porque não houve qualquer transformação estrutural da economia portuguesa. Pelo contrário, houve destruição dos factores “económicos” da sociedade com a devastação da classe média.

Os factores de crise estão indissoluvelmente ligados de 2011 a 2015, mas as crises só aparentemente são da mesma natureza e têm o mesmo “tempo”. A crise de 2011 era apocalíptica, ameaçava o país em poucos dias, marcava um ponto sem retorno que podíamos ter atingido no dia de amanhã. Era uma crise que não podia durar, tinha que ter uma solução imediata e essa urgência facilitava a sua resolução. A crise de 2011 era profunda e grave, mas muito conjuntural, a crise de 2015 é profunda e grave e estrutural. A dimensão da crise de 2011 era aguda nas finanças públicas, mas era menos grave na economia, e poucos efeitos tinha na sociedade “civil”. A verdade é que podia ser defrontada com muito menos custos, muito mais competência e eficácia, se não fosse o carácter antidemocrático e “indigno” (Juncker) da política da troika, ampliada pela tentação do revolucionarismo social dos nossos marxistas “liberais” que queriam fazer um Portugal não-“piegas”.

Ambas partilham elementos comuns, mas são muito diferentes principalmente no seu tempo e no seu impacto na sociedade. Apesar da propaganda política que se faz sobre o “antes” e o “depois”, não é possível regressar ao “antes” de 2011, como não é possível viver sempre, como se fosse o dia da marmota, em 2015. A crise de 2011 não podia durar dias, a crise de 2015 vem de se pensar que uma política de “ajustamento” pode durar anos. Nem em 2011, nem em 2015, as políticas que estavam (estão) a ser executadas nesses anos podem sobreviver. Não havia amanhã para a bancarrota, como não há os vinte anos de “ajustamento” que Cavaco Silva e Passos Coelho entendem necessários. Quer em 2011, quer em 2015, a “realidade” impede-o. Em 2011, a realidade das finanças e do estado; em 2015, a realidade da democracia.

É porque esta crise é, em 2015, mais da democracia do que das finanças, que é mais grave e perturbadora, mas as duas crises têm em comum uma degeneração endémica da oferta política, dos partidos e da representação. Quer em 2011, quer em 2015, há factores exógenos e endógenos nas diferentes crises. Em 2011, os factores exógenos foram a crise bancária mundial gerada pela queda do Lehman Brothers e a “crise das dívidas soberanas”, gerada pela política alemã de punição à Grécia. Os factores endógenos em 2011 foram o descalabro das contas públicas, responsabilidade do Governo Sócrates, e a crise política gerada pela recusa do PEC IV, responsabilidade da oposição com relevo para o PSD. Encontramos sempre, com papel de relevo, a política, mais do que as finanças. É a má política o fio condutor de 2011 a 2015.

Em 2011, havia um maior consenso social de que a crise implicava passar por um momento difícil, ou seja, aceitava-se que alguma “austeridade” era inevitável, um acontecimento raríssimo em democracia; em 2015, não há terreno em democracia para se continuar a “austeridade” tal como a conhecemos. Em 2011, era possível conduzir políticas difíceis com alguma legitimidade popular, em 2015, essa legitimidade foi desbaratada pelo carácter socialmente injusto do “ajustamento”. Há um factor em comum, as políticas que conduziram à crise de 2011 foram recusadas com veemência nas eleições desse ano; hoje, as políticas que conduziram à actual crise de 2015 são recusadas ainda com mais veemência, e as sondagens revelam que 65% dos portugueses as recusam, com um número significativo de votos “radicais” à esquerda.

Parte da crise de 2011 permanece, connosco, por resolver, mas parte da crise de 2015 é nova: resulta do modo como foi defrontada a crise de 2011. E como tudo podia ser feito de outra maneira, as suas consequências foram escolhidas, não estavam inscritas na natureza das coisas. Tiveram autores. Em 2011, Sócrates, em 2015, Passos e Portas. As opções da crise de 2015 foram escolhidas por dois factores: a ignorância e incompetência dos governantes que desconheciam o seu país, e pelas ideias erradas e simplistas que transportavam, de que o bom modelo para Portugal era Singapura ou a Coreia. Anote-se que também não sabem muito do que é Singapura e a Coreia.

Há, no entanto, uma diferença muito importante: em 2011, havia um maior número de possibilidades de acção, em 2015, há menos. Um dos aspectos cruciais em que estamos pior em 2015 é que a margem de manobra política é hoje muito menor, e, numa democracia, isso é pior do que não haver margem de manobra financeira. Só os marxistas “lusíadas” que nos governam é que acreditam piamente na determinação da superstrutura pela infra-estrutura, ou seja, acreditam que tudo se remete àquilo que eles pensam ser a “economia”. Pobre Marx, que tais discípulos deu e que pensam que são “liberais”! Perceberão a seu tempo que, nas democracias, a percepção da injustiça é mais poderosa do que a ideologia do “empreendedorismo”.

De facto, não há almoços grátis, a não ser para alguns.

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