Costa voa para ofensiva diplomática em dia de ultimatos internos

Passos recusou mais reuniões a "fazer de conta". César reagiu ao ultimato denunciando postura beligerante do primeiro-ministro. Avolumavam-se os sinais de ruptura enquanto Costa voava até Bruxelas para "pedir apoios" europeus.

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António Costa FRANCISCO LEONG/AFP

À hora a que o presidente do PS, Carlos César, garantia em Lisboa que o PS não pretendia “ser governo a qualquer custo”, o secretário-geral do seu partido, António Costa, estava a aterrar em Bruxelas. O PS não desenvolvia “iniciativas a qualquer custo para ser Governo”, reforçava o açoriano. E, no entanto, António Costa movia-se nesta quarta-feira em direcção às estrelas da constelação socialista europeia. Depois das entrevistas às agências internacionais e da reunião com os embaixadores da zona euro, o líder socialista levantava voo para um conjunto de reuniões – algumas secretas – assumindo assim um protagonismo condizente a um primeiro-ministro sombra.

O evento mais visível desse posicionamento de Costa está agendado para o meio-dia desta quinta-feira, altura em que o ex-autarca se senta numa reunião ao mais alto nível do seu universo político. Costa fará parte do encontro que juntará os chefes de Estado, primeiro-ministros,  vice-primeiro ministros, comissários europeus socialistas e onde Francois Hollande, Mateo Renzi e Sigmar Gabriel vão afinar a sua táctica para o Conselho Europeu da tarde.

A agenda de Costa, contudo, inclui outro ponto para discussão. Ao que o PÚBLICO apurou, o português aproveitará a sua presença, aceite pelos governantes socialistas europeus a “título excepcional”, para abordar a situação política do país e “pedir apoio”, depois de dar garantias do seu compromisso com as regras europeias.

Por altura dessa reunião, o líder do PS terá já realizado alguns dos contactos mais discretos que decidiu fazer na capital belga. A partida antecipada para o centro da política europeia serviu, precisamente, para permitir um conjunto de encontros durante o dia e meio que permanecerá ali.

Não é a primeira vez que Costa o faz. Mas não deixa de ser relevante que os socialistas europeus tenham mantido o convite para participar na sua reunião ao mais alto nível mesmo depois das eleições legislativas não terem resultado numa vitória do PS. Resta, no entanto, saber que sinal conseguirá do encontro. Da última vez, em Julho, Costa saiu ao lado do Presidente francês, François Hollande.

Aterraria, assim, em Lisboa com outras munições para sustentar a ofensiva em curso contra a direita, liderada esta quarta-feira por Carlos César. Uma investida já com um plano delineado, através do envio de uma carta à coligação Portugal à Frente com as propostas de alteração ao programa desta. Mas na condição de estes remeterem ao PS os dados financeiros e de previsão macroeconómica para 2016, exigidos no passado sábado. Informação essencial, garantiram os responsáveis do PS, para fazer, com rigor e sem disparar as contas públicas, propostas de alteração que invertam a política de austeridade, capazes de facilitar um acordo que viabilize o Governo da coligação por uma legislatura.

Conversa azeda à direita
Depois de Passos Coelho ter afirmado que não participava em mais reuniões para “fazer de conta”, o presidente do PS, Carlos César, veio a público criticar a atitude de “grande arrogância e até beligerante” do primeiro-ministro em funções. César lembrou que o PS entregou à coligação um “conjunto de perguntas por escrito sobre a actualização do cenário macro-económico, da situação orçamental, do sector económico, financeiro, das contas de um conjunto de medidas que são determinantes no programa de Governo da coligação e que também se intercruzam com medidas que podem ser adoptadas pelo PS”.

Desde então os socialistas têm insistido na cedência desses dados. Nesta quinta-feira, Mário Centeno contactou Maria Luís Albuquerque nesse sentido. Aliás, tem causado perplexidade na direcção do PS o facto de Maria Luís Albuquerque não integrar a delegação da coligação nos encontros com o PS, já que é a ministra das Finanças cessante que domina as questões orçamentais. Em causa está nomeadamente o facto de a coligação apenas ter actualizado os dados macroeconómicos, como a previsão do PIB, para 2015, quando Mário Centeno tem insistindo em obter previsões para 2016.

De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO em causa está a obtenção de dados que permitam a quantificação de propostas para que haja aproximação sem que as propostas socialistas façam disparar as contas da coligação. A título de exemplo foi explicado ao PÚBLICO que o PS propõe mais meio milhão de médicos de família e a coligação um milhão e meio, mas o PS diz o cálculo dos custos e a coligação não, o que não permite comparar.

O contra-ataque socialista incluiu a divulgação das “questões” que havia enviado no sábado à coligação – após a primeira reunião – onde revelava quais as contas e números que considerava essenciais para a possibilidade de acordo entre os três partidos.

Para o entendimento, o PS fez saber ao PSD e CDS que dava “prioridade elevada” à revelação do impacto financeiro das medidas constantes no programa eleitoral da coligação. E alertava que a “ausência de clarificação destes pontos dificultava a continuação das conversações iniciadas no dia 9 de Outubro”.

O PS solicitava aos partidos do Governo que revelassem, entre outras “variáveis”, o saldo orçamental, a dívida pública, a composição do PIB na óptica da despesa, emprego, inflação e as necessidades de financiamento da economia, após o “impacto” que teriam nestes as “medidas incluídas no Programa Eleitoral, não apenas ao Programa de Estabilidade”.

O documento enumerava que tipo de propostas considerava essenciais ver calculadas. Deu como exemplo a “introdução de um plafonamento para as gerações mais novas”, a “revisão dos escalões de abono de família”, a “introdução progressiva de benefícios que premeiem a maternidade”, a aplicação da “reforma a tempo parcial”, ou o “processo de devolução dos hospitais às Misericórdias”.

A divulgação aconteceu horas depois do ultimato de Passos Coelho ao PS. “Já tive duas reuniões com o PS e não tenciono ter mais nenhuma para fazer de conta ou simular que se está a alcançar algum resultado, pois o PS não deu contributo nenhum para que esse resultado fosse alcançado”, afirmou o primeiro-ministro depois de criticar a forma como Costa estava a gerir o processo: "Dá a impressão que o PS ganhou as eleições e está a fazer diligências para formar governo."

Sem acordo com o PS à vista, o cenário que se admitia à direita era o de Passos Coelho poder vir a ser chamado a formar Governo ainda que sem maioria absoluta parlamentar. Na coligação, há quem dê pouco tempo de vida a este futuro Executivo minoritário, já que precisa de negociar permanentemente com o PS e de fazer cedências na política orçamental, ao mesmo tempo que pretende cumprir as regras europeias - designadamente a meta do défice abaixo dos 3% - assumidas perante Bruxelas.

Entre os dirigentes da coligação havia ainda quem vaticinasse uma existência muito curta de um futuro governo liderado por Passos Coelho por contas das suspeitas de um apoio socialista às moções de rejeição ao programa de Governo. Não sendo possível convocar novas eleições (por causa da proximidade do período eleitoral das presidenciais e do impedimento constitucional de se realizarem eleições no prazo de seis meses depois das últimas), o Presidente da República teria de chamar o PS, a segunda força mais votada, para tentar formar um Governo.

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