António Costa em desvantagem no cortejo das audiências em Belém

Segundo dia de reuniões com o Presidente da República cristalizou imagem de resistência a um Governo do PS apoiado pelos partidos à sua esquerda.

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Carlos Silva (UGT) foi um dos defensores do governo de esquerda Miguel Manso

Das nove entidades que o Presidente da República já chamou a Belém para ouvir sobre a actual crise política, seis saíram da reunião com Cavaco Silva mostrando-se contra a indigitação de António Costa para primeiro-ministro. Nestes primeiros dois dias, o chefe de Estado só ouviu três vozes favoráveis a um governo de esquerda, duas delas das centrais sindicais. Não há um calendário das próximas reuniões.

Se na esfera da Concertação Social era já previsível a manifestação maioritária de reticências em relação a uma solução governativa do PS apoiada pelos partidos à esquerda, as reuniões com entidades fora da concertação só agudizaram o desnível.

Ontem, além do actual presidente do Conselho Económico e Social (CES), Luís Filipe Pereira, o Presidente recebeu duas organizações que contribuíram para a manutenção da imagem de resistência a António Costa. Pereira, sem verbalizar a sua oposição, aproveitou para dizer que preferia “uma solução ao centro”.

Já Peter Villax não teve essa preocupação. Compareceu em Belém na qualidade de presidente da Associação de Empresas Familiares, mas foi também um dos subscritores do Manifesto dos 100 que, recentemente, assumiram publicamente uma posição de confronto contra a maioria de esquerda no Parlamento.

Em Belém, foi evidente a forma crítica como se encara um executivo de António Costa. Pegando nas “posições conjuntas” assinadas pelos partidos da esquerda, Peter Villax fez notar que não existia qualquer indicação sobre quais “vão ser as políticas económicas” a implementar, as políticas de investimento e desenvolvimento, como se iria reduzir o desemprego e assumiu-se “preocupado com a lista extensa de benefícios” acordados.

Sem explicação sobre como estes “benefícios sociais serão financiados”, Villax alertou para o risco de virem a ser pagos com a “almofada financeira” de oito mil milhões de euros que o anterior Governo havia “prudentemente amealhado”. E levantou a suspeita de os partidos da esquerda pretenderem “passar de uma política de formiga para uma política de cigarra”.

Da mesma forma, Pedro Ferraz da Costa, em representação do Fórum para a Competitividade (e antigo presidente da CIP), defendeu a manutenção do actual Governo em gestão até que o país possa organizar de novo eleições legislativas. “Há uma parte da população que acha, e com razão, que não foi confrontada com esta solução de uma frente de esquerda”, disse Ferraz da Costa, para sustentar a realização de “eleições clarificadoras” que permitissem escolher entre a coligação e uma “frente de esquerda que quer instalar em Portugal uma economia socialista”.

Por isso, a opção preferível era, nos próximos tempos, manter um Governo de gestão. “Não nos parece que possa haver uma clarificação sem haver eleições. Até lá...”, disse, quando questionado sobre essa possibilidade.

Estas posições seguiram a linha da maioria das críticas veiculadas no primeiro dia de reuniões. O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, João Machado, foi a Belém manifestar a sua frontal oposição à “frente de esquerda”. João Machado assumiu frontalmente que havia aconselhado Cavaco Silva a que “não tomasse nenhuma decisão definitiva”, dando posse a “um Governo que propiciasse eleições no ano que vem, o mais rapidamente possível”.

Também a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) saiu da audiência tecendo fortes críticas à maioria parlamentar de esquerda. Mas com outro argumento: a forma como os quatro partidos (PS, Bloco, PCP e PEV) acertaram posições sobre o salário mínimo põe em causa o conceito da concertação social. “Não permitiremos que a concertação social seja esvaziada”, disse António Saraiva após mais de uma hora de reunião com Cavaco Silva.

Nem o Fórum da Competitividade nem a Associação das Empresas Familiares, ouvidas ontem pelo Presidente, fazem parte das organizações representadas no Conselho Económico e Social. Destas ainda não foram ouvidas a Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário (CPCI), o Conselho Nacional das Ordens Profissionais (que representa as profissões liberais), a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, o Movimento Democrático de Mulheres, uma organização mais próxima da esquerda, ou a Confederação Nacional das Associações de Família.

Sindicalistas a favor
Nem mesmo as posições das duas centrais sindicais conseguiram equilibrar a discussão na residência oficial do Presidente da República.

O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, foi a Belém defender que o Presidente “deve ter em consideração” o Governo do PS, por entender que é “aquele que pode dar a tal estabilidade que [Cavaco Silva] solicitou”.

Por seu turno, o secretário-geral da UGT saiu da reunião a defender que a tomada de posse de um Governo do PS é a solução governativa que vai “ao encontro das expectativas dos trabalhadores”. Carlos Silva assumiu, assim, o seu apoio à nomeação de António Costa e confirmou tê-lo dito a Cavaco Silva. “Qualquer decisão deve ter em consideração os entendimentos na Assembleia da República”, disse o sindicalista e dirigente do PS. 

Além das duas centrais sindicais, apenas a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), anteontem, não se mostrou abertamente crítica em relação a um Governo PS.

Estes dois dias acabaram, assim, por se tornar num cortejo de opiniões favoráveis à percepção de que a sociedade civil estaria contra a solução governativa proposta pela actual maioria parlamentar, suportada pelos partidos da esquerda.

Essa ideia foi reforçada com a publicação, ontem, de uma carta aberta da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), na qual se considera vítima de “discriminação” por parte do Presidente da República e se diz “veementemente desagradada” pelo constante adiamento das reuniões que vem solicitando ao Chefe de Estado.

A CPPME afirma aguardar por uma audiência com Cavaco desde 2012, sendo que à sua última carta de agendamento, enviado em Julho deste ano, recebeu como resposta da Casa Civil que “oportunamente” seria considerada a “audiência solicitada”.

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