Contrariando o terceiro-mundismo

O centro-esquerda arrisca-se a perder a voz autónoma que sempre teve — desde a resistência à ditadura.

Diversas vozes à esquerda vieram na semana passada criticar o que aqui designei por “deslizando para o terceiro-mundo”. Refiro-me ao projecto da actual direcção socialista de estabelecer uma aliança de governo com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

Francisco Assis voltou a escrever neste jornal, na sexta-feira, uma consistente defesa do socialismo democrático e liberal que sempre distinguiu o PS de Mário Soares. Recordando Norberto Bobbio — o grande socialista liberal italiano que precisamente inaugurou o ciclo de conferências “Balanço do Século”, promovido em 1987-89 pelo então Presidente Mário Soares — Assis recorda a insistência de Bobbio na distinção entre “extremismo e moderantismo”.

Esta distinção ilustra o facto historicamente frequente de aproximação entre extrema-esquerda e extrema-direita, contra a democracia liberal. E explica por que razão as democracias têm sido sempre, como lembrava Raymond Aron, “obra comum de partidos rivais” — do centro-esquerda e do centro-direita.

Francisco Assis termina o seu artigo com uma conclusão sobre a situação actual que é compreensível para quem tenha estudado Norberto Bobbio: “Considero mais adequado ao interesse nacional a existência de uma solução governativa em que a direita fique dependente das posições do PS a uma outra em que o PS se torne refém dos humores, caprichos, estratégias e tacticismos dos partidos da extrema-esquerda.”

Álvaro Beleza, numa entrevista a este jornal no sábado passado, retoma esta linha de argumentação. Recorda a tradição de Mário Soares e António Guterres que fizeram do PS uma das forças centrais da democracia portuguesa. Chama a essa tradição, citando Norberto Bobbio, “socialismo liberal”. E conclui, sobre a situação actual: “É melhor ter um governo de direita refém do PS do que ter um governo PS que perdeu as eleições, que parece ter enorme vontade de poder e que está refém dos seus adversários.”

“Anticomunista, obrigada!” é o título do artigo de Clara Ferreira Alves, na revista do Expresso do passado sábado. “Por razões históricas, fui sempre anticomunista. E por razões ideológicas, também. Sou uma anticomunista que não tem vergonha de ser anticomunista e que tem e teve amigos comunistas. (…) O Partido Socialista parecia-me, com Mário Soares e a doutrina do socialismo democrático, a única oposição responsável ao totalitarismo de Cunhal e dos militares que não queriam regressar aos quartéis.” A autora conclui afirmando que, com o anunciado acordo do PS com os comunistas, podemos estar a caminhar para “a mais grave crise de regime depois do 25 de Abril. E, talvez, para o fim do regime saído do 25 de Abril”.

Uma posição semelhante tinha sido defendida por Henrique Monteiro, também no Expresso, a 16 de Outubro: “Ser anticomunista é ser antitotalitário, nem mais nem menos do que ser antifascista ou antixenófobo”.

Estas tomadas de posição alertam, em meu entender, para uma das duas grandes consequências que podem resultar da anunciada aliança da actual direcção socialista com os comunistas: a erosão do centro-esquerda na nossa democracia. Se o PS se aliasse aos comunistas, ficando um seu eventual governo dependente do apoio destes, o centro-esquerda ficaria sem a voz autónoma que sempre teve desde a resistência à ditadura — a voz da ASP/CEUD de Mário Soares e Maria Barroso, antes do 25 de Abril, a voz do PS de Mário Soares e Maria Barroso, desde 1973 e depois durante os 41 anos da nossa democracia.

A segunda possível consequência decorre da primeira: sem centro-esquerda com autonomia, a democracia portuguesa poderia ser arrastada para um clima terceiro-mundista da “esquerda contra a direita” e dos “pobres contra os ricos.” Basta olhar para a América Latina (para não ir mais longe) para ver os tristes resultados que essa visão do mundo produziu — e de que, a custo, o continente sul-americano tenta libertar-se. Esse não é seguramente o mundo a que os eleitores do PS, PSD e CDS desejam pertencer.

Em defesa da NATO e do Mundo Livre: terminou na sexta-feira passada o maior exercício militar da NATO desde a queda do Muro de Berlim. “Trident Juncture” envolveu 6 mil militares portugueses, num total de 36 mil efectivos e mais de 30 nacionalidades. É uma boa notícia, que poderia ter tido mais relevo entre nós. Para além da dimensão militar, a NATO assenta nos valores da liberdade e responsabilidade pessoal que distinguem o Mundo Livre.

Hotel Palácio do Estoril obteve o prémio “Condé Nast” de melhor hotel do mundo para reuniões. É uma distinção merecida para um hotel que persiste em preservar uma rara atmosfera de clássica compostura.

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