Confederação dos media contra lei da transparência do sector

Patrões não querem as contas da publicidade escrutinadas e defendem que “não há motivos de preocupação” com a concentração no sector. As coimas devem ter em conta o volume de negócios das empresas.

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O Sindicato dos Jornalistas teme a viabilidade das publicações Foto: Miguel Manso

A Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social considera desnecessária a proposta socialista de obrigar à revelação de toda a estrutura accionista das empresas de media e mostra-se mesmo contra a intenção do ministro da tutela de as fazer tornar público também os seus credores e financiadores, onde se incluem os anunciantes.

José Faustino, presidente da CPMCS em representação da Associação Portuguesa de Radiodifusão, citou a Constituição para defender que “a lei já assegura a transparência da titularidade dos meios de comunicação social e atribui ao Estado a competência de impedir a sua concentração de forma múltipla ou cruzada”.

A resposta a estas premissas, disse José “está praticamente dada na sua plenitude nas leis da rádio e da televisão. A lei da imprensa diz metade, não quer dizer que não se resolva, corrigindo a lei. Não vemos, com toda a franqueza, necessidade de se fazer mais um diploma para este efeito e esta matéria.”

Os deputados estranharam esta posição crítica e assertiva do responsável da confederação, entidade que agrega parte dos patrões das empresas de media depois de a larga maioria dos representantes dos operadores privados ter abandonado a CPMCS em 2014 em desacordo com o representante da RTP. Os dissidentes criaram entretanto a Plataforma dos Media Privados, que será ouvida no próximo dia 4.

“Não sabemos o que quer dizer [o ministro] por ‘acrescentar as questões do financiamento’. Financiamento é capital social, empréstimos, crédito bancário, mas o sr ministro fala também de credores, clientes, fornecedores. É preciso definir tudo isso”, afirmou José Faustino. O também presidente da APR defendeu que “muito mais importante” que a questão da titularidade é ver “como é que se articula a acção dos órgãos de comunicação social com as empresas de telecomunicações”.

José Faustino foi o mais directo possível por diversas vezes. “Não vale a pena termos ilusões: é difícil seguir o rasto do dinheiro”, defendeu perante os argumentos da socialista Inês de Medeiros, uma das proponentes do diploma. E ao centrista Raul de Almeida, que vincara que “quem não deve não teme” para defender as vantagens de um regime mais transparente, também não se coibiu: “Isso é treta. O facto de eu não dever ou temer é como nos carros - há sempre uma falha, é assim.”

O responsável da CPMCS defendeu que se deve focar a atenção, de preferência, na posição editorial de cada órgão. “É tudo independente! Então os canais dos clubes de futebol são independentes? Porque não começamos a reflectir sobre isto? Como leitor, eu quero lá saber quem é o dono do capital, se é angolano ou de outro lado…”

Coimas à medida do negócio
José Faustino especificou que a “demasiada” transparência irá afugentar os anunciantes dos media regionais, pois as pequenas empresas vão considerar que passam a ter demasiada exposição a entidades como a ASAE e as Finanças. “Isto vai ser gravoso para os pequenos operadores, esses é que são os prejudicados. Querendo resolver os problemas dos grandes, criam-se problemas para os mais pequenos.”

A mesma ideia foi defendida ao longo da audição pelos outros dois elementos da CPMCS, que realçaram não ser justo definir coimas iguais para todas as empresas sem ter em conta a sua dimensão. Considerando que as exigências de comunicação da informação proposta pelo PS “traz burocracia acrescida para os jornais regionais”, Adriano Callé Lucas, em representação da Associação Portuguesa de Imprensa, defendeu que “as coimas deveriam ser progressivas”.

“O que me preocupa é: esta transparência serve exactamente para quê? Isso é pouco claro”, criticou, por seu lado, Pedro Braumann, em representação da RTP na CPMCS. “A verificação da posse ou propriedade das empresas pressupõe se têm entidades estrangeiras e se ultrapassam os limites admissíveis. Quando se quer saber a quota de mercado de vendas de jornais e audiências, normalmente essa informação tem um objectivo de regulação”, e não apenas por mera informação geral, acrescentou. “Não está claro para mim se querem intervir sobre as receitas de publicidade ou também proveitos, que engloba empréstimos.”

Adriano Callé Lucas, com experiência na imprensa regional, afirmou esperar que “não entrem na devassa do que é um jornal em termos de receitas de publicidade. Isso é entrar no âmbito do negócio. Não podem, de maneira nenhuma, divulgar os valores.” Mas teve uma atitude menos radical do que José Faustino: “A transparência parece-nos genericamente boa para que o leitor saiba o que está a ler ou a ouvir”, disse Callé Lucas.

“Não há concentração”
Questionado sobre declarações do presidente da ERC, que pouco antes falara com preocupação sobre a possibilidade de maior concentração no sector e os desafios da passagem dos media tradicionais para um modelo apoiado no digital, José Faustino desvalorizou.

“O digital não traz nada de novo em termos de comunicação social. O que muda é o meio de distribuição, é o meio de suporte. O digital é um investimento para os norte-americanos. Aqui [em Portugal], o investimento no digital é para perder dinheiro. Tem leitores, tem espectadores, mas dinheiro é que não tem”, apontou o presidente da APR. “É apenas mais um novo meio de difusão.”

“Não há motivos de preocupação em concentração”, defendeu José Faustino. “Há seis ou sete grupos. Atendendo ao quadro que temos, não há concentração. 81% das rádios portuguesas são independentes e só 19% pertencem a grupos. Acham que há perigo de concentração?”, perguntou aos deputados. “Há tanto jornal, tanta rádio, não é difícil esfrangalhar mais. Devemos estar atentos, sim, mas é uma falsa questão neste momento”, considerou ainda José Faustino que admitiu, perante o PCP, que os patrões dos media olham “com muita preocupação” para a precariedade.

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