Competitividade, reformas e Europa

Um governo que respeite compromissos pode entrar no conselho europeu pela porta de todos. Pode contribuir para reverter o pensamento único.

Três palavras-chave de importância decisiva para o nosso futuro.

Competitividade. Choveram recursos para infraestruturas que melhorassem a nossa competitividade. Sabíamos que parte importante dos bens de equipamento seriam importados dos grandes. Entrámos a bordo do Euro que nos amarrava o jogo dos câmbios em troca da ilusão da solvabilidade eterna. Abriu-se a torneira do crédito, com generosidade. Sendo pobres, deveríamos ter desconfiado da esmola. Endividámos o Estado, mas ainda mais se endividaram os privados. Cuidámos que o manancial era inesgotável e no ano de todas as complicações, 2009, ordenaram-nos que aguentássemos a todo o custo a banca que falia e investíssemos à tripa forra. Assim fizemos, endividámo-nos ainda mais, como recomendaram. No final de 2009, vem o virar de bordo. Vendo os EUA no caminho do quantitative easing, os comandos europeus, obcecados com diferenças, fizeram o oposto. Levaram quatro anos a perceber que erraram, foi necessário que um italiano inteligente e corajoso, Mario Draghi, num curso de verão em universidade americana, viesse recomendar a viragem de 180 graus. Contra os banqueiros alemães que espumavam, mas com o respaldo competente de outro plácido professor italiano, Mário Monti, que ficará na história por, em curta governação, ter iniciado reformas julgadas impossíveis na Itália. Depois veio o que se sabe: quatro anos de cerviz baixa, expiação própria de culpas arremessadas a pobres que se julgavam remediados, vontade de agradar a todo o custo, mesmo gatinhando. A primeira versão expiatória, de tão grossa, cedo revelou os excessos, em confissão de incompetência do seu autor que desertou. Depois Draghi fez o milagre: injeção maciça de recursos do Banco Central Europeu para compra de dívida soberana no mercado primário. Os nossos governantes tiveram a argúcia de aproveitar o clima como se fossem eles a mandar chover. A economia começou a levantar de mansinho, o emprego a ser menos destruído. Com toda a propaganda a seu favor, convenceram eleitores de que eram eles os autores da façanha. Mesmo assim perderam a maioria, sem perderem a arrogância. Julgavam poder continuar, confiados nas querelas intestinas da esquerda, nos media complacentes e na estrela de Belém. Empresários astutos ficaram na retranca, só depois de provocados reagiram: manifesto contra a união das esquerdas, assinado por 115 empresários. Pena foi a omissão, à frente do nome, de quanto havia cada um investido em Portugal nos últimos quatro anos. Como a quantia seria chocante, desculpar-se-iam com restrições do crédito, esquecendo a baixa real de salários no período. Um trauma imprevisto, uma bênção inconfessável. Valem-nos os que não desistiram.

Reformas. Um palavrão que serve para tudo, até para esconder a insustentabilidade e irrelevância do famoso documento de Portas. Esta reforma seria a quintessência do governo da direita liberal. Tentada cedo pela via constitucional, aplicada manhosamente na educação e tentativamente na saúde, pelo prisma refrator de que o privado tem sempre o privilégio da eficiência, ficando para o público o estigma do desperdício. Ora o que se viu foi o privado a ser alimentado pelos contribuintes, em redundância com o público que, apesar dos erros passados, trouxe o nosso ensino a um nível razoável. Tal como se assistiu, a par da atrofia imposta, ao sector público da saúde a prosseguir a via da segurança qualitativa e o privado a engordar pela ADSE e pela classe média esmifrada ou a redundar em locais onde o público sempre bastou. Mas se querem um exemplo da mera incompetência temo-lo no definhamento das lojas do cidadão, apesar do seu desempenho em condições difíceis, e no registo automóvel. Dir-me-ão que Poiares Maduro criou 40 novas lojas de cidadania em lugares periféricos. Se não acreditam, experimentem: A loja do cidadão das Laranjeiras faz prodígios de serviço público em instalações de há muito insuficientes. Deve ter quase 17 anos. A loja do cidadão dos Restauradores encerrou, sem ser substituída. E se ainda não acreditarem, experimentem pedir a mudança de morada na carta de condução, ou a mudança de registo automóvel na sobrelotada loja da Elias Garcia, para onde se vai de cadeira de lona, aguentar a espera. Outras reformas estão no tinteiro das meras intenções: a concentração de municípios, a reforma da administração central desconcentrada, a legitimação das comissões de coordenação regional. Só uma reforma funcionou: a da cobrança fiscal. Et pour cause!

Europa. Tudo está a mudar muito depressa, por causa dos refugiados e dos reflexos da crise. Ainda aqui não chegaram os efeitos, continuando nós acocorados ao lado de Scheuble, atentos e veneradores a Angela Merkel. Um amigo viajado recomenda-me que vá à Baviera! Ver milhares de sírios, ainda desocupados, a passear pelas ruas de Munique perante a desconfiança fria dos bávaros, em breve transmutável em ódio. Ou a Dresden, a cidade de Angela, onde campeia o desemprego, ver com que relutância visível são acolhidos os refugiados. A história nunca se repete: se os nove milhões de refugiados do Leste geraram o milagre alemão federal (lembram-se do filme “o milagre de Malaquias”) o milhão de sírios esperados na Alemanha dificilmente será integrável numa economia a crescer devagarinho, a braços com a perda de credibilidade do seu mais importante exportador de automóveis. A Alemanha de hoje perdeu autoridade para nos zurzir, além de ter mais com que se preocupar. Um governo que respeite compromissos pode entrar no conselho europeu pela porta de todos. Pode falar livremente. Pode associar-se a outras vozes recalcitrantes. Pode ajudar a meter na ordem os Orban deste mundo. Pode contribuir para reverter o pensamento único.

Professor catedrático reformado

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