Como ganhar eleições

Aqui fica um contributo para que, no futuro, o Brasil possa enfim virar à direita, como convém a um país que quer ser dinâmico e moderno como Portugal é hoje.

Há meses, por brincadeira mas também a sério (como de costume), Miguel Esteves Cardoso disse que a esquerda portuguesa é burra, pois caso se unisse ganharia sempre, dado ser sociologicamente maioritária. As eleições do Brasil, onde Aécio não conseguiu vencer Dilma, são prova disso. Aqui fica um contributo para que, no futuro, o Brasil possa enfim virar à direita, como convém a um país que quer ser dinâmico e moderno como Portugal é hoje.

1. A única forma de ganhar eleições é abandonar o voto obrigatório. Então será fácil convencer uma boa fatia de eleitores de que o seu voto "não conta para nada". (Ou até dificultar acessos, no embate entre os Bush e Al Gore na Flórida em 2000 funcionou.)

2. Sim, se os nossos candidatos forem maus, devemos tentar melhorá-los, blablá, blablá. Mas, e se não for possível melhorá-los? Aí, nada de desespero: basta baixar o nível dos outros ao nosso. Como? Espalhando a ideia-feita de que «os políticos são todos iguais». Ora, se são todos iguais, o voto passa a ser aleatório. E, como nos tempos de Collor, pode enfim voltar a ganhar o mais giro.

3. Só vale a pena carregar a tecla da corrupção se não houver riscos de ela fazer ricochete. 

4. O PT deu aos pobres uma bolsa-família de 70 reais mensais (30 euros)? Em vez de pôr em causa tal desaforo, Aécio devia ter proposto uma bolsa-família ainda mais voluptuosa. Digamos 100 reais, ou mesmo 600. Por que não, se de qualquer modo não seria para cumprir? Depois poderia culpar a antecessora, por não permitir pagar a promessa. Em Portugal resulta.

5. O governo decuplica o investimento nos transportes colectivos? Digam que é pouco (ver ponto anterior), que devia vintiplicar, trintaplicar, etc.

6. Queimem autocarros se o preço dos bilhetes for caro. É sabido que ajuda sempre os transportes públicos a serem melhorados.

7. Ataquem dos dois flancos. Acusem os partidos de esquerda de serem de esquerda, "coisa que já não se usa", mas também de não serem de esquerda, "a verdadeira". Para isso há que extremar posições. Se não houver um partido de extrema-esquerda disponível a ser hospedeiro, criem um. Atacar pelos dois lados reduz a margem de manobra dos adversários. Nesse aspecto, o furacão Marina até foi interessante.

8. Não receiem que a criação do partido de extrema-esquerda dê um Golem. Para já, o Golem era grandalhão e, se não o regarem muito, esse partido ficará sempre tipo Bonsai. E não se preocupem, mais cedo ou mais tarde o bom filho à casa torna. Veja-se o exemplo de Durão Barroso, Nuno Crato e tantos, tantos outros.

9. Monopolizem o comentário político. Antigamente convinha dirigir a máquina do Estado para conseguir censurar como deve ser. Hoje, graças a Deus, não é preciso. Se os media estiverem em boas mãos (e a tendência é para estarem cada vez mais em boas mãos), a coisa irá por si. Não precisam de matar rivais, isso deixa nódoas, basta desligar-lhes o microfone.

10. Como passar então a imagem de imparcialidade & pluralismo? Muito simples, basta que os comentadores autorizados vão distribuindo as críticas e os elogios, excepto na ocasião certa e na coisa certa. Por exemplo, um comentador pode elogiar o corte de cabelo do candidato adversário, ou a sua simpatia, ou o modo experiente como enfiou uma nota de cem no bolso. Se contratarem um adversário para comentador, escolham-no feio, com cara de pusilânime ou, tão-só, impopular. Pusilânime: a Fox tem ocasionalmente um comentador democrata ao qual parece faltar o queixo. Impopular: a RTP tem ao domingo um comentador socialista ao qual falta um espelho.

Docente universitário FCSH-UNL

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