CNE admite que lei da cobertura eleitoral precisa de revisão

Há procedimentos impostos pela lei que caíram em desuso, diz porta-voz da CNE, que defende, no entanto, que o princípio da não discriminação das várias candidaturas se deve manter.

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Tudo em Portugal parece ser julgado em função da excitação que causa e dos microfones que atrai Carlos Lopes

O problema em torno da lei da cobertura jornalística não está na interpretação da CNE – Comissão Nacional de Eleições, mas na interpretação das televisões, defende o porta-voz daquele órgão, admitindo, porém, que a legislação, que data de 1975, “precisa de uma revisão” porque há “procedimentos que caíram em desuso” e não abarca realidades que se tornaram banais, como a internet e, mais recentemente, as redes sociais.

Não faz sentido que a legislação, promulgada ainda por Costa Gomes, distinga entre jornais diários de Lisboa e Porto, obrigue à entrega e publicação das listas de eventos de campanha, ou não inclua a publicidade na internet ou as redes sociais, enumera João Almeida ao PÚBLICO. O texto do diploma também só fala em “publicações noticiosas diárias ou não diárias de periodicidade inferior a 15 dias”, o que significa que a CNE e os tribunais têm feito uma interpretação alargada da lei para incluir televisões e rádios.

Apesar disso, o porta-voz da CNE vinca que o princípio que tem merecido contestação deve permanecer: os media têm que dar um “tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas, colocando-as em condições de igualdade”.

Sem querer comentar as declarações do Presidente da República, que no domingo considerou a lei “a mais anacrónica que existe” e que garantiu que se pudesse a mudava, João Almeida disse ao PÚBLICO que há alguma “confusão” na interpretação da lei. “O que diz é que os órgãos noticiosos devem garantir um tratamento igual às candidaturas, o que significa que devem dar idêntico tratamento a eventos com a mesma relevância. É tratar como igual o que é igual.”

Por exemplo, se duas candidaturas fizerem a tradicional arruada pelo Chiado em que uma junte 500 apoiantes e outra apenas 50, esta segunda “tem direito a que seja noticiada mesmo que o texto não tenha o mesmo tamanho”, afirma João Almeida.

“Esta situação, este problema, não ocorre por causa da CNE, mas por causa da interpretação que as televisões fazem da lei”, defende João Almeida, que assegura que ao contrário da ideia que tem passado, “a CNE não é mais rigorosa agora do que há dez anos; o seu entendimento não mudou”. Lembrou que em 2005 uma rádio foi condenada por excluir um candidato e que também houve uma condenação nas intercalares para a Câmara de Lisboa em 2007.

O que aconteceu foi que em 2011, para as legislativas, “as televisões concertaram a forma de organizar debates e deixaram partidos de fora. O líder de um partido queixou-se, a CNE avisou as televisões de que tinham que incluir todos, e como não respeitaram, o candidato recorreu para o tribunal, que lhe deu razão”, descreve o porta-voz da CNE.

O candidato foi Garcia Pereira, do PCTP/MRPP, a quem o tribunal deu razão, mas depois não apareceu nos debates entretanto remarcados. “Ele estava no direito de exigir que lhe dessem o direito de ser incluído nos debates, tal como estava no direito de, não querendo, não aparecer lá”, argumenta João Almeida. Para evitar repetições do caso, em 2013 as televisões decidiram não marcar debates e fazer uma cobertura minimalista das autárquicas e depois das europeias de 2014.

A proposta do PSD que está no Parlamento há mais de um ano foi duramente criticada pela CNE num parecer que levanta até dúvidas sobre a constitucionalidade do texto. Questionado sobre uma eventual participação activa da CNE num processo de revisão do diploma, João Almeida afasta essa hipótese. “Não é nossa atribuição [participar no processo legislativo] e até poderia ser mal-entendido.” O assunto está numa “zona de conflito institucional” com a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a CNE acabaria por estar a propor competências para si própria.

Entretanto, tal como o PÚBLICO noticiou na passada semana, depois da controvérsia com o texto de substituição que unia PSD, PS e CDS e que tinha como principal novidade a apresentação pelos media e aprovação prévia por uma comissão mista da CNE e ERC do plano de cobertura da campanha, os socialistas não vão apresentar uma nova proposta sobre o assunto e dizem que ele está agora "nas mãos da maioria".

Por seu lado, o Bloco diz ser "um bocadinho estranho que o Presidente nunca tenha percebido qual a lei que existia. Foi primeiro-ministro 10 anos, mais Presidente durante 10 anos e, com 20 anos com estas funções, aparentemente, foi preciso alguém lembrar-lhe de uma lei que está em vigor desde 1975", apontou Catarina Martins, citada pela Lusa.

"O BE tem dito que compreende que é preciso uma atualização da lei que vá ao encontro da evolução normal, até tecnológica, da comunicação social", argumentou a porta-voz bloquista.


Notícia substituída às 18h30

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