Chão da Lagoa: Há vida para além de Jardim

Da festa saíram pedidos de independência, considerações sobre os investimentos chineses em Portugal, um “pontapé no traseiro” do primeiro-ministro António Guterres ou um “submarino” para Paulo Portas.

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Alberto João Jardim, na edição 2015 da festa: já fora do poder, mas ainda presente GREGÓRIO CUNHA

É o maior evento partidário da Madeira e um dos maiores do país só comparável com a Festa do Avante. Com Alberto João Jardim, o palco do Chão da Lagoa funcionou como amplificador para as reivindicações do Governo regional, e a ronda pelos stands de cada freguesia do arquipélago era oportunidade para semear polémica. Mesmo com dirigentes nacionais ao lado.

Pelo Chão da Lagoa passaram a maioria dos líderes do PSD. De Francisco Sá Carneiro a Durão Barroso. De Marques Mendes a Marcelo Rebelo de Sousa, foram poucas as ausências. Das lideranças mais recentes, apenas Santana Lopes justificou a não comparecência com motivos de agenda, e Manuela Ferreira Leite confirmou e depois desmarcou devido a gripe.

Pedro Passos Coelho, ausente com Jardim, repete a presença na festa, um arraial madeirense que este ano será mais contido: na linguagem e no orçamento.

O comício-festa no auge do jardinismo chegou a custar próximo de meio milhão de euros, quando o PSD-Madeira colocava em palco cantores como Fafá de Belém, Daniela Mercury ou Tony Carreira. A festa de hoje, como a de 2015, a primeira com Miguel Albuquerque à frente dos social-democratas, é com ‘prata da casa’, mas mesmo assim o investimento ronda os 100 mil euros. “É uma imagem de marca do partido, que merece sempre grande adesão”, justifica o secretário-geral do PSD-Madeira, Rui Abreu, dizendo que são esperados perto de 20 mil pessoas.

De todas as 54 freguesias do arquipélago partem autocarros manhã cedo. No início desta semana, na apresentação do programa da festa, já estavam reservados 150 autocarros com destino à Herdade do Chão da Lagoa. Situada nas serras sobranceiras ao Funchal, com uma área aproximada a 140 campos de futebol, recebe também centenas de porto-santenses. O ferry-boat que faz a ligação entre as duas ilhas está hoje reservado para militantes.

O recinto que a Fundação Social-Democrata adquiriu no final dos anos 90 por 1,5 milhões de euros à Fundação Berardo, mas que foi agora concessionado a uma empresa privada devido às dificuldades financeiras, abre as portas apenas uma vez por ano para receber a festa. A herdade conta com todas as infra-estruturas, incluindo um palco, stands para comida e bebida, zona de estacionamento, e um toldo que cobre o recinto do sol.

É na ‘barraca’ de São Martinho, uma das freguesias do Funchal, que José Manuel Coelho – “não o deputado do PTP”, sublinha – vai estar. Vai ao Chão da Lagoa desde sempre, e contabiliza com orgulho o número de militantes que, ano após ano, consegue mobilizar. “Somos a freguesia que leva mais autocarros”, garante o militante de 61 anos.

Existe uma rivalidade entre as várias freguesias. Uma espécie de competição não declarada, para que apresentem a melhor bebida e o melhor ‘dentinho’, o nome que os madeirenses dão aos petiscos que acompanhem o copo.

O motivo é agradar quem visita, incluindo os dirigentes do partido que percorrem cada uma das ‘barracas’ antes das intervenções da praxe. De stand em stand, com um copo aqui, uma bebida acolá, era habitual que os comentários políticos subissem de tom, sempre pela boca de Jardim e do antigo secretário-geral Jaime Ramos.

Do Chão da Lagoa saíram pedidos de independência, considerações sobre os investimentos chineses em Portugal, um “pontapé no traseiro” do primeiro-ministro António Guterres ou um “submarino” para Paulo Portas.

No ano passado, o primeiro em que Jardim não subiu ao palco, a polémica também não apareceu. A nova direcção do PSD-Madeira normalizou as relações institucionais com Lisboa e mesmo as diferenças com os restantes partidos na Madeira têm sido tratadas com menos agressividade.

Mesmo assim, o Chão da Lagoa é um barómetro para medir a popularidade do partido na região. Um contar de espingardas para os próximos combates eleitorais que PS e CDS têm tentado replicar em festas semelhantes sem, no que toca a números, conseguir aproximar-se. Este ano, contabiliza Rui Abreu, “devemos superar os números dos últimos anos.”

Podem contar com Carlos Teles para essa matemática. É outro dos veteranos da festa, e domingo, despe o fato de presidente da Câmara Municipal da Calheta, e vai para trás do balcão da ‘barraca’ da freguesia. “É um dia muito especial”, garante.

O dia começa cedo. Os autocarros arrancam pelas sete, e percorrem quase toda a ilha antes de chegarem ao Chão da Lagoa. “Fazemos sempre um caminho mais longo, já que é uma oportunidade para muitas pessoas darem um passeio pela ilha”, explica Teles, recordando antigos líderes nacionais que passaram pelo balcão do stand da freguesia. Fala de um Durão Barroso menos sisudo do que na televisão, e de um Marcelo Rebelo de Sousa a… Marcelo. “Todos são e foram bem recebidos”, afirma, prometendo brindar Passos Coelho com a melhor gastronomia da terra. 

Jardim, tal como no ano passado, em que disse que não ia e depois foi, vai também andar por ali. Longe do palco, afastado de Passos Coelho e Albuquerque, mas perto dos microfones.

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