O dia em que Arménio Carlos citou Aleixo e Sérgio Godinho

O líder da CGTP encerrou o comício do 1º de Maio com anúncios de novas acções de contestação, em Maio e Junho.

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Manifestante da CGTP Daniel Rocha

Atrás de si, a faixa exclama "Governo rua! Eleições já". Arménio Carlos, visto de longe, é um pequeno ponto, no palco instalado junto à reaberta fonte monumental da Alameda. Mas é ele a figura central deste desfile, que é algo mais do que uma manifestação sindical. O líder da central sindical lidera o trajecto entre o Martim Moniz e a Alameda, relegando para o meio do desfile figuras como Jerónimo de Sousa, o líder do PCP (partido de Arménio Carlos), João Semedo, do BE, e várias outras figuras políticas, de esquerda, que se associam, Almirante Reis acima, à comemoração do Dia do Trabalhador. Estão aqui quase todos: dos recém-criados MAS e LIVRE, aos instituídos BE e PCP.

Na Alameda, há cravos, bifanas, minis, mantas de piquenique no chão. Arménio Carlos começa por lembrar a efeméride, os 40 anos da data, em liberdade. Fala do 25 de Abril e elogia "os capitães que deram a vida por Abril", acabando com a "noite negra e sangrenta do fascismo". Explica que os "valores de Abril não são neutros nem inócuos", insurge-se contra a "ditadura das finanças", e lembra as palavras que antecedem uma das mais conhecidas linhas de guitarra da música de intervenção portuguesa: Liberdade, de Sérgio Godinho. "Só há liberdade a sério quando houver/ liberdade de mudar e decidir/ quando pertencer ao povo o que o povo produzir."

Este 1º de Maio de 2014 não é comparável, em mobilização, ao de há 40 anos. Mas tem, ainda assim, uma expressão política que resiste ao tempo. Agora, em cada esquina há uma selfie. Ou um iPad a filmar. Há duas faixas em nepalês (que pedem, ou pelo menos foi isso que nos garantiram, direitos iguais para os imigrantes daquela nacionalidade). O ar dos tempos é tal que são as míticas ceifeiras alentejanas, trajadas a rigor, que destoam no meio de tanta tatuagem à mostra (o calor aperta). O 1º de Maio da CGTP não é homogéneo. Tal como a rua que o acolhe.

Do cheiro doce do cardamomo, ali junto ao hipermercado de especiarias do Martim Moniz, ao fumo dos assadores de bifanas na Alameda, há espaço para se encontrarem jovens com pós-doutoramento e imagens tão básicas como a de um coelho esfolado, pendurado numa vara.

"É só cortar e roubar a quem vive a trabalhar", ouve-se num carro de som. "É só mais um empurrão e o Governo vai ao chão", promete o seguinte. O restaurante Ali Baba, na esquina da Almirante Reis, no Intendente, tem uma "promoção anti-crise" que consiste numa sandes kebab por apenas 1,95 euros. Mas esta é a altura em que o desfile clama por "soberania nacional".

Os bombos Amarantinos, esses, têm uma expressão muito política quando assestam vigorosos pum-pum-pum-puns rua acima, de dentes arreganhados. E até um pequeno rapaz, numa trotinete, afina a garganta para o microfone de um carro de som "Fora, fora, fora daqui, a fome, a miséria e o FMI".

Na Alameda, o discurso de Arménio Carlos promete impedir que o Documento de Estratégia Orçamental siga o seu caminho. Usa uma imagem batida, "a raposa no galinheiro", para garantir que este pode ser o primeiro dia do aumento do IVA e dos cortes definitivos nas pensões, mas que a CGTP vai fazer tudo para que não haja resto da sua vida.

Arménio Carlos chama a Pedro Mota Soares "o ministro da mentira, da caridade e do assistencialismo", diz que Passos e Portas "mentem com todos os dentes que têm na boca", e quando começa a falar de Cavaco Silva ouve-se a maior vaia da tarde. "Vocês já vão ter oportunidade de assobiar mais, é só esperarem um bocadinho", pede o dirigente sindical, para poder continuar a frase em que avisava o Presidente da República que não teria, ali, aliados para a sua ideia de consenso.

Pelo contrário. Em defesa da contratação colectiva, e do aumento do salário mínimo, a CGTP vai organizar uma "jornada de luta", que culminará a 27 de Maio, data em que se comemoram 40 anos da instituição de uma remuneração mínima mensal em Portugal.

No mês seguinte, em Junho, a contestação promete aumentar. No dia 14, no Porto, e no dia 21, em Lisboa, a CGTP está a preparar manifestações, após vários dias de greves e protestos. Arménio Carlos cita António Aleixo. E termina: "É pelo novo mundo que aqui estamos."

Segue-se o hino da central, "unidade, unidade, unidade". A Internacional, "bem unidos façamos". E a Portuguesa encerra. Ficam grupos de amigos à conversa. As bancas dos sindicatos servem produtos nacionais.

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