Cavaco Silva quer seduzir país capitalista por fora, comunista por dentro

Presidente da República inicia esta segunda-feira a sua primeira visita oficial à China. O objectivo é colocar Portugal na rota dos investidores, dos importadores, dos universitários, dos compradores imobiliários e, ainda, dos turistas chineses.

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O périplo presidencial arranca em Xangai, o maior centro económico da região Nelson Garrido

É quase um cliché dizer que a China é capitalista por fora e comunista por dentro. Mas não deixa de ser verdade. Apesar de há pouco mais de um ano a cúpula de comando do dragão asiático ter sofrido uma profunda mudança, com a nomeação de um presidente de uma nova geração, Xi Jinping, de 60 anos, e secretário-geral do Partido Comunista (o cargo mais importante do país), a China prossegue a sua longa marcha no sentido da economia de mercado com a expectativa de chegar a líder mundial antes de 2020.

É neste contexto que Aníbal Cavaco Silva arranca, esta segunda-feira, com a sua primeira visita oficial à China, como Chefe de Estado, onde vai estar sete dias, acompanhado por uma extensa comitiva que integra empresários, gestores, investidores e académicos. Uma estadia que Belém já considerou ter um valor simbólico, desde logo por decorrer a convite do presidente Xi Jinping [que se manterá em funções até 2020] e por coincidir com as celebrações dos 35 anos da normalização das relações diplomáticas bilaterais.

Para a presidência, a presença na China tem um foco: colocar Portugal na rota dos investidores, dos importadores, dos universitários, dos compradores imobiliários e, ainda, dos turistas chineses. E promover a língua portuguesa e a colaboração académica e científica.

Depois de uma caminhada iniciada na década de 70, a China assume-se agora como candidata a ascender em breve ao topo do ranking das maiores economias do planeta, onde já ocupa a o segundo lugar atrás dos EUA. A dimensão territorial e populacional, 1300 milhões de habitantes, faz com que qualquer decisão de Pequim gere ondas de choque.

Mas o momento que acordou o dragão adormecido deu-se, em 2001, com a adesão à Organização Mundial do Comércio (OMC), que se traduziu na profunda mudança das relações de poder à escala internacional. Os números são expressivos: em 1980, ainda desligada das teias da globalização, a participação da China no comércio internacional era de 1% e em 2003 já estava nos 6% [na década passada subiu de 4,3 para 10,4%]. 

No mesmo período, o PIB cresceu a uma média de 9,5%, tornando o gigante asiático, em 2004, na 6ª maior economia do mundo. Em 2012, segundo a agência Bloomberg, o volume de comércio da China (3,87 milhões de milhões de dólares) ultrapassou o dos EUA (3,82 milhões de milhões de dólares).

Para os analistas, a consolidação da China como protagonista planetário resultou dos estímulos à transferência de unidades de fabrico dos países desenvolvidos para o pais asiático, onde os custos de trabalho eram muito mais baixos, e ao mesmo tempo o desenvolvimento de uma base industrial interna, com preços imbatíveis, que acabaram por gerar desemprego nas nações mais fortes do ponto de vista económico. 

A tendência a favor da China tornou este gigante na fábrica do mundo e conduziu à criação de um mega mercado interno com o rendimento da população melhorado. Em 2009 a China estreou-se, assim, a ultrapassar os EUA como líder mundial do mercado automóvel, tendo vendido 13,5 milhões de veículos (mais 44% do que em 2008).

Apesar de estar iminente a ascensão da China ao primeiro posto da economia mundial, há sinais de desaceleração, com o PIB chinês a crescer menos, a 7,4% nos primeiros três meses deste ano, mas acima da média mundial de 3,6%. Os críticos já apontam o dedo ao modelo de crescimento seguido por Pequim, sustentado, em parte, no imobiliário. 

Relação desequilibrada
Não é por isso de estranhar os grandes investimentos que a China está realizar fora de portas. A Portugal chegaram mais de 4 mil milhões de euros e uma parte substancial destinou-se à compra de posições de domínio na EDP (2,69 mil milhões), na REN (387 milhões) e na Fidelidade (mil milhões). O “ataque” chinês foi bem recebido pelo governo, mas gerou polémica. Não só pelo facto de terem decorrido através de privatizações de sectores chave da economia portuguesa, mas por partirem de um Estado opaco e pouco sensível aos direitos humanos.

Seja como for, estão previstos encontros entre Cavaco Silva e os novos responsáveis da China Three Gorges (EDP), da State Grid (REN) e da Fosun (Fidelidade). Um tema particularmente importante para Portugal, em fase de recuperação, são as exportações, mas a aposta asiática nos produtos nacionais não revela fôlego. Em 2013, as vendas portuguesas à China somaram cerca de mil milhões de euros, menos 122,7 milhões de euros do que em 2012, o que traduz uma queda de 10%, devido à redução das vendas de veículos fabricados pela AutoEuropa, em Palmela. 

A relação com a China é importante para qualquer Estado, mas é mais quando se trata de um país pequeno e em recuperação: qualquer pequena encomenda de produtos na perspectiva chinesa pode ser uma enorme oportunidade para o vendedor. Com um senão: a relação entre Portugal e a China é de tal forma desequilibrada que pode faltar escala às empresas portuguesas para fornecer as necessidades locais.

O Presidente da República faz-se acompanhar, por isso, de uma delegação de 130 convidados (que pagam as suas próprias despesas), da esfera financeira (CGD, BCP, BES e BPI), empresarial, gestão, da advocacia, arquitectura, produção agrícola/vinícola, têxtil, turismo, imobiliário, entre outros. A “agenda” tem um pendor a favor das relações comerciais sino-portuguesas: se na Europa as empresas portuguesas já dispensam um empurrão político, na China não é assim. Daí que na comitiva oficial estejam o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, e os ministros Rui Machete [Negócios Estrangeiros], Pires de Lima [Economia], Nuno Crato [Educação].

O périplo presidencial arranca em Xangai, o maior centro económico da região, seguindo-se depois uma estadia de três dias em Pequim e, como não podia deixar de ser, a visita presidencial termina na Região Especial Administrativa de Macau, que assinala agora 15 anos de passagem da soberania portuguesa para a China.

Com 15 milhões de habitantes, Cavaco juntar-se-á esta terça-feira, em Xangai, com o presidente da Fosun, a empresa de capitais privados chineses que adquiriu ao Estado 80% da Fidelidade (com 30% mercado). O negócio já foi concretizado, com o dinheiro entregue à CGD, mas deverá ser agora formalizado. Cavaco tem ainda previstos encontros com quadros portugueses “expatriados” e seminários empresariais em Pequim [onde haverá um encontro com o novo presidente da China Three Gorges] e em Macau. O Presidente pretende dar igualmente relevância à promoção da língua portuguesa com idas às universidades e a assinatura de acordos na área da investigação.  

Diplomacia ao mais alto nível
A visita à China não é, portanto, relâmpago. Em Pequim, a comitiva portuguesa vai estar três dias, com reuniões previstas entre Cavaco Silva e o seu homólogo, bem como com o primeiro-ministro, Li Keqiang, e o presidente da Assembleia Nacional Popular, Zhang Dejiang. Uma disponibilidade que está ser lida por Belém como um manifesto de “gratidão” pela forma como decorreu a entrega da soberania de Macau à China, diferente do processo de transição de Hong Kong, da alçada da Grã-Bretanha, envolto em atritos. 

O momento de passagem do poder de Macau para a China teve em conta as relações históricas de 400 anos e foi, portanto, tratado com especial atenção pelas autoridades portugueses. E teve um rosto: o do último governador de Macau, o general Rocha Vieira, convidado a integrar a comitiva oficial de Cavaco Silva.

Para além deste episódio, na óptica chinesa Portugal, dada a sua natureza, não cria problemas de relações de força. E possui uma gestão de interdependências (ligação histórica ao Brasil e a Angola e Moçambique) que se enquadra na visão estratégia alargada de Pequim. Na semana passada, o primeiro-ministro chinês Li Keqiang esteve de visita oficial a Angola.

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