Cavaco Silva analista e António Costa patriótico

Presidente da República defendeu alta administração de mérito e bem paga, em contradição com a prática política do Governo.

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Miguel Manso

Os discursos do Presidente da República e do autarca de Lisboa foram sintetizados, ao PÚBLICO, pelos politólogos António Costa Pinto, professor do ISCTE, e José Adelino Maltez, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) numa curiosa formulação. Cavaco Silva esteve analista, quando referiu a necessidade da reforma do sistema político. António Costa retomou a senda do republicanismo, com uma dimensão soberanista e patriótica.

“O discurso do Presidente da República é interessante porque parecia um cientista político, referiu a qualidade da democracia baseando-se em estudos de opinião e falou dos partidos”, diz Costa Pinto. Adelino Maltez corrobora: “O Presidente fez um belo trabalho de antologia dos comentadores sobre a reforma do sistema político.”

Assim, é referido que Cavaco Silva falou das reformas políticas que os partidos têm sido incapazes de fazer, “o que tem consensos à margem da reforma do dilema de menos representação versus governabilidade”, acentua o professor do ISCTE. “Denunciou a potencial implosão da partidocracia”, destaca o docente do ISCSP. “Apontou o perigo do populismo”, anota António Costa Pinto.

Costa Pinto não antevê consequências práticas da preocupação presidencial sobre a saúde do sistema político. José Adelino Maltez lamenta que sejam zero: “Seria bom que o PS e o PSD, através do Presidente, chegassem a um acordo de regime, não a um bloco central, em troca de uma antecipação, que não seria mais que simbólica, das eleições legislativas.” Este acordo deveria incidir nas reformas estruturais do sistema político e nas políticas europeias na fase pós-troika.

Outro ponto da intervenção de Cavaco, a reafirmação da cultura de compromisso, suscita proximidade de pontos de vista. “Dada a conjuntura pré-eleitoral, é o ponto mais polémico, mas é uma questão de coerência do Presidente da República”, refere o professor do ISCTE. Embora recorde que as palavras presidenciais sobre o consenso político surgem na sequência do crise do governo em Julho de 2013, quando pediu um "compromisso de salvação nacional" que foi frustrado pela oposição do líder socialista António José Seguro, o docente do ISCSP menoriza o alcance da proposta feita agora: “Seria um penso rápido, a situação do país implica outro âmbito, um acordo de regime é urgente.”

Costa Pinto refere outra passagem da intervenção de Cavaco Silva: “Entrou em contradição com o discurso inicial da maioria PSD/CDS sobre a necessidade de uma alta administração, de mérito e bem paga, o que está à revelia da política do Governo.”

Sobre o discurso de António Costa há unanimidade. “Há uma visão simbólica em relação ao passado, a defesa do regresso dos feriados [5 de Outubro e 1º de Dezembro] tem uma dupla dimensão, republicana e soberanista”, sublinha o professor do ISCTE, para quem com as dez páginas da intervenção do novo dirigente do PS fecha um ciclo, o de autarca.

O percurso relatado pelo presidente da câmara, do Castelo ao Largo do Camões, num périplo pelo Limoeiro, Adro de São Domingos, Palácio da Independência, Terreiro do Paço e Cais do Sodré, com episódios de afirmação da soberania nacional surpreendeu positivamente o docente do ISCSP: “Foi o melhor discurso do 5 de Outubro, uma grande intervenção política, falou ao estilo de uma esquerda patriótica.”

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