Cavaco pede mudança da lei da cobertura eleitoral mas partidos preferem a gaveta

Patrões dos media acreditam que ainda há tempo para mudar regras até às legislativas. Partidos estão mais interessados em enterrar o assunto.

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Depois da audiência com o Presidente da República, o próximo passo dos patrões dos media privados é pedir encontros com os partidos. Enric Vives-Rubio

Agora que PSD, CDS e PS enterraram o documento polémico que previa a apresentação prévia pelos meios de comunicação social de um plano de cobertura da campanha eleitoral e sua aprovação por uma comissão mista, a mudança da lei actual, que data de 1975, pode mesmo estar em causa. O PÚBLICO confirmou junto de Carlos Abreu Amorim, o deputado do PSD que partilhou o grupo de trabalho com o PS e CDS-PP, que os sociais-democratas ainda não decidiram o que fazer com o seu projecto de lei que aguarda há mais de um ano, na Comissão de Ética – se o fazem avançar ou se continua a marinar até que o Parlamento feche portas nesta legislatura.

Do lado do PS também não há uma estratégia definida. Depois de ter sido apontada pelo PSD como a única autora da proposta do plano de cobertura com visto prévio – apesar de tanto Abreu Amorim como o centrista Telmo Correia se terem manifestado, numa primeira fase, confortáveis com o enunciado do documento -, a deputada Inês de Medeiros não quer voltar ao assunto. Ao PÚBLICO diz que o PS não deverá avançar com uma proposta própria para mudar a lei até ao final da legislatura.

Esta proposta da maioria é minimalista e limita-se a dividir os prazos em pré-campanha (entre a data da publicação do decreto com a convocação de eleições e o arranque da campanha) e campanha eleitoral propriamente dita. Na primeira vigora o princípio da liberdade editorial e de programação dos media e a obrigação de participação em entrevistas e debates só se aplica às forças políticas com assento parlamentar. No período de campanha vigora o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas.

O actual cenário de desavença política parlamentar indica que os partidos poderão nem sequer dar ouvidos ao Presidente da República. Cavaco Silva deu ontem um apoio de peso aos patrões dos media privados que recebeu no Palácio de Belém ao dizer-lhes que partilha das suas preocupações sobre a necessidade de mudar a lei que regula a cobertura jornalística das campanhas eleitorais. O Presidente contou-lhes que já avisou os partidos mais de uma vez para a “necessidade de se proceder a uma revisão da moldura legal existente – a lei de 1975 -, no sentido de a adequar ao que é a realidade comunicacional dos tempos de hoje”, descreveu aos jornalistas o director-executivo da Plataforma de Media Privados no final do encontro

O PÚBLICO apurou que os patrões saíram da reunião com Cavaco com a convicção de que os líderes dos dois maiores partidos não teriam conhecimento da proposta que estava a ser preparada pelos deputados.

“Nós entendemos que já está ultrapassado o tempo para que a legislação actual seja modificada. Estamos a falar de uma lei de 1975, com 40 anos, que não resiste aos desenvolvimentos a que assistimos na sociedade de informação, nos órgãos de comunicação social em geral”, afirmou Luís Nazaré aos jornalistas. É preciso ter uma “cobertura jornalística adequada e que os media possam contribuir para o esclarecimento efectivo da população, que é aquilo que as pessoas esperam [deles] nos actos eleitorais - e o próximo reveste-se da maior importância”.

No Palácio de Belém estiveram também Francisco Pinto Balsemão (presidente da plataforma e dono da Impresa), Cristina Soares (administradora do PÚBLICO), Miguel Pais do Amaral (administrador da Media Capital), Luís Santana (administrador da Cofina), Vítor Ribeiro (administrador da Global Media) e o cónego João Aguiar (presidente da administração da Renascença).

Os patrões vão pedir audiências urgentes aos vários partidos. “Para lhes darmos a conhecer a nossa disponibilidade e vontade de fazermos uma cobertura jornalística capaz, completa, e sem entrarmos em rotas de colisão no tratamento equitativo das diferentes candidaturas”, descreveu Luís Nazaré. O problema é que, tendo em conta a lei que está em vigor, os media, em especial as TV, ameaçam repetir o que aconteceu nas autárquicas de 2013 e nas europeias de 2014: fazer nas legislativas uma “cobertura limitada, circunscrita aos líderes dos partidos políticos e sem a realização de debates”.

A actividade jornalística tem regras de deontologia “comummente aceites” e “num passado não muito distante nunca constituíram problema relativamente à realização de debates” - um dos assuntos mais quentes da problemática -, recordou o director-executivo. “Só muito recentemente é que uma interpretação muito própria, feita pela CNE – Comissão Nacional de Eleições e pela ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, se revelou impeditiva, na prática, de os media realizarem debates de uma forma exequível.”

“A manutenção do quadro actual acaba por ser um convite à abstenção”, realçou Luís Nazaré, que diz esperar que possa ainda haver “espaço e tempo” para os partidos produzirem uma nova lei a tempo das próximas eleições. “É uma questão de vontade dos partidos políticos. Se se empenharem creio que há tempo para isso.”

A Plataforma foi constituída há alguns meses pelos grupos que deixaram a Confederação Portuguesa dos Meios de Comunicação Social (CPMCS) em conflito com a RTP – nesta ficaram também as associações de radiodifusão e de imprensa. Apesar da questão da cobertura das eleições ser transversal às associações, Luís Nazaré considera que “não faz sentido” uma união de esforços. Porque a CPMCS “integra o órgão de informação pública e, objectivamente, os interesses das duas partes não coincidem. Não é possível um espaço de actuação comum”, defende o director executivo da Plataforma.

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