Cavaco está cheio de razão

Cavaco limitou-se a dizer o óbvio, e as críticas que ouviu demonstram apenas o quanto o óbvio anda subvalorizado.

Deixem-me dar-vos uma boa notícia: nós temos dois bons candidatos a primeiro-ministro. A sério.

Há dez anos tivemos de escolher entre o incompetente Pedro Santana Lopes e o inexperiente José Sócrates. Há quatro anos tivemos de escolher entre o incompetente José Sócrates e o inexperiente Pedro Passos Coelho. Este ano vamos ter de escolher entre os experientes e razoavelmente competentes Pedro Passos Coelho e António Costa. É a melhor dupla em décadas.

Por muitos defeitos que tenham e por muitos erros que possam vir a cometer, ambos já deram mostras de qualidades estimáveis no desempenho das suas funções. Passos Coelho conduziu o país para fora do programa do resgate, evitou a espiral recessiva, aguentou estoicamente o governo após a crise do “irrevogável” e fez o que tinha a fazer no caso BES. António Costa aproveitou o espírito do tempo e a chuva de turistas para revolucionar Lisboa, que é hoje uma cidade incomparavelmente melhor e mais moderna do que era em 2007. Ao mesmo tempo, as listas que o PS aprovou mostram-se saudavelmente renovadas (imaginar José Lello e Paulo Campos fora do Parlamento faz de mim um homem feliz por antecipação) e o compromisso ético que ele impôs ao partido merece os maiores elogios.

Desde que travemos as pontadas da nossa costumeira costela catastrofista e a cassete do declínio da qualidade da classe política, não há qualquer razão para no dia 4 de Outubro irmos a tremer para as assembleias de voto, temendo que o país regresse a 2011. Não vai regressar. Mesmo que ideologicamente eu me sinta mais próximo de Passos Coelho, e entenda que após a era socrática o PS merecia uma maior travessia do deserto, não temo António Costa como primeiro-ministro. E acredito que este meu sentimento é partilhado por muita gente.

Ora, a consequência de termos dois bons candidatos a primeiro-ministro é esta: não vai haver maioria absoluta. Os resultados, salvo catástrofe judicial (por exemplo, se forem presos ex-ministros ou ex-secretários de Estado do PS, ou se a acusação a José Sócrates surgir antes das eleições e envolver, de alguma forma, o Largo do Rato), vão com certeza ser equilibrados, tal como o presidente da República deixou bem claro nas entrelinhas da sua intervenção. E não havendo maioria absoluta, Cavaco está cheiinho de razão: “Após os sacrifícios que fizeram, os portugueses têm o direito, mas também o dever, de exigir um governo estável e duradouro, que traga mais riqueza e mais justiça social ao nosso país.” Hoje em dia, até Alexis Tsipras concorda com isto.

Assim sendo, convém começar a preparar o terreno para um entendimento entre os principais partidos para os próximos quatro anos. E “começar a preparar” significa, desde logo, não sabotar essa possibilidade em campanha eleitoral, por muito que PS e PSD queiram disfarçar que se distinguem radicalmente um do outro na abordagem da crise. Embora me pareça claro que, em caso de vitória, Costa preferiria um entendimento à esquerda, é duvidoso que o venha a conseguir, até porque o PCP é um rochedo de 10% e uma jovem chamada Mariana Mortágua pode ter ajudado a estancar a sangria do Bloco. O Livre parece curto para colega de coligação, e governar em minoria no actual contexto seria uma loucura – donde, não parece haver grande alternativa a alguma espécie de acordo tripartidário. Cavaco limitou-se a dizer o óbvio, e as críticas que ouviu demonstram apenas o quanto o óbvio anda subvalorizado.

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