Categóricos imperativos

As personalidades autoritárias acham que todos deveriam agir como a eles lhes dá jeito, ponto final.

Uma das manhas dos autoritários consiste em usar os melhores princípios das pessoas contra elas mesmas.

Imaginem uma pessoa que é cortês e polida. O autoritário pode assediar esta pessoa, ser grosseiro e insistente com ela — até ao ponto em que a boa educação e polidez desta pessoa a obriga a ceder à vontade do autoritário. O autoritário consegue o que quer e a vítima promete a si mesma que isto não volta a acontecer, mas no fundo sabe bem que as suas boas maneiras a impedirão de resistir aos autoritários. A vítima foi tão vencida pelos maus instintos do perpetrador quanto pelos seus bons instintos.

O autoritário, por sua vez, aprende a calibrar a sua ação. Usa a agressividade de forma funcional, mas não excede aquela linha imaginária a partir da qual a sua vítima diria “basta!”.

Um excelente exemplo deste tipo de tática é a forma como o governo da Hungria, dirigido por Viktor Orbán, tem agido no quadro europeu. A sua última ação foi sugerir, após a ocorrência de certos crimes mediáticos no país, que a pena de morte deveria ser reinstituída. Orbán sabe muito bem que a abolição da pena de morte está consagrada no acervo europeu de direitos humanos e que a reintrodução da pena de morte é proibida. Mas enquanto criou escândalo na União, escondeu outras coisas que anda a fazer (como preparar-se para mudar, de novo, os círculos eleitorais para se manter no poder). E agora que fez avançar a sua linha vermelha, conseguiu mais uma vez espaço para fazer tudo o que quiser, desde que fique aquém de reinstituir a pena de morte. A agressividade compensa.

Os chamados “populistas” usam também esta tática (e o mesmo vale para os comentadores agressivos na internet). Em tom vociferante, chamam os outros de mentirosos, desonestos, preguiçosos e ladrões. Em troca, as pessoas educadas chamam-nos de “populistas”, um termo educado para responder a políticos que, em boa parte, são os verdadeiros mentirosos. desonestos, preguiçosos e ladrões. Mas as pessoas educadas não vão usar estas palavras porque, enfim — as suas boas maneiras impedem-nas.

É um grande problema este. Todos nós, ao longo das nossas vidas, temos obrigação de nos melhorar moralmente de forma a que o nosso comportamento individual possa aproximar-se daquilo que deveria ser a melhor forma de qualquer pessoa agir. Kant chamou a isto o imperativo categórico: age apenas de forma a que a tua ação pudesse ser como uma lei universal deveria ser. Ou seja, age como pensas que todos deveriam agir.

As personalidades autoritárias e agressivas viram este princípio ao contrário. Acham que todos deveriam agir como a eles lhes dá jeito, ponto final. Sabem que essa não seria a escolha natural dos outros. Mas não se incomodam com isso. Invertendo Kant, vêem os outros como um meio e não como um fim.

Pessoas assim são o contrário do imperativo categórico.

Em vez disso, são categóricos imperativos. Categóricos porque só sabem exprimir a sua opinião de forma taxativa, sem espaço para a dúvida e a incerteza. Imperativos, porque se satisfazem em intimidar os outros e mandar neles.

Só uma época sábia conseguiria responder a este problema. Seremos uma época sábia?

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