Carta aberta a Marinho e Pinto

É dever do Dr. Marinho e Pinto esclarecer os muitos negócios que disse ter eu feito. Sendo tantos, como diz, não lhe será difícil caracterizar alguns. Fico cheio de curiosidade.

1. A propósito de um “pacote da transparência” proposto pelo Dr. Fernando Nogueira, de quem sempre fui admirador e amigo, quando líder do PSD, no qual criticou e propôs medidas “contra os conflitos de interesses dos advogados”, eu, no dizer do Dr. Marinho e Pinto, “como presidente da Assembleia da República”, teria “revogado a aplicação da norma aos advogados”, após aprovação do texto no plenário.

Ao que acrescentou: “Sabe porque é que ele fez isso? Porque o Dr. Almeida Santos é advogado e foi um dos advogados que mais negócios fizeram neste país, à custa do que é público”. Não contente com isto resolveu engrossar a voz, se não a coragem, acrescentando: “Não estou a dizer isto em “off”, é em “on””: “o Dr. Almeida Santos é um advogado de negócios, e uma das pessoas que mais negócios fizeram em Portugal na sua condição de líder político e de advogado, mesmo que tenha tido, em alguns momentos, a sua inscrição na Ordem suspensa.”

Como esclareci na primeira carta que o PÚBLICO publicou, não foi apenas em alguns momentos que tive suspensa a minha inscrição na Ordem, mas em todo o tempo que decorreu depois de 12.8.1983, data em que cancelei de facto uma inscrição que não tinha servido para nada, visto que não cheguei a por os pés num tribunal, nem a envergar, após Moçambique, a minha velha toga.

Também por esclarecer, além de quais foram os negócios, já que o Dr. Marinho e Pinto o não fez, está o que é isso de fazer negócios “à custa do que é público”. Peço-lhe que não me recuse essa precisão, no esclarecimento que a esse propósito lhe peço.

Grave é também a sua afirmação, segundo a qual “os advogados até se arranhavam uns aos outros para meter na amnistia crimes dos seus clientes que pagavam melhor ou que tinham mais poder”. Mas, sempre na sua versão, “a lei foi aprovada na Assembleia e foi alterada na ida para a presidência para promulgação. A lei que consta do Boletim da Assembleia é diferente da que foi publicada no Diário da República, e não é uma diferença de correcções. Tem crimes diferentes abrangidos”.

Dirigi-me então à Exm.ª Senhora Directora do jornal PÚBLICO a solicitar a publicação – que obtive – de uma carta de 3 de Junho, em que reagi o mais correctamente que me foi possível contra os insultos e as mentiras de que estava sendo vítima. E solicitei à Senhora Presidente da Assembleia da República a averiguação do que se tivesse passado. A Senhora Presidente enviou-me sem demora extractos dos registos da época e facilmente pude ter por confirmado o que já sabia: que a acusação do Dr. Marinho e Pinto, tal como eu supunha, era infundada, mentirosa e falsa. Ele próprio veio tentar corrigir o tiro dizendo: “Não estou a acusá-lo a ele. Isso não é uma imputação que lhe faço a ele, até porque ele não é advogado criminal”. De facto não era. Mas era Presidente da Assembleia da República, e foi nesta qualidade que gravemente me acusou. Ou julga que tudo acabou pondo “ a hipótese de, tudo o que afirma (sic) se ter passado antes da votação, e não entre a aprovação e a publicação”? Alguém percebe esta infeliz esquiva?

Mas o agravo que recebi do Dr. Marinho e Pinto não se ficou por aqui. E acusou-me também de que eu era “advogado, e fui um dos advogados que mais negócios fizeram neste país, como líder político e advogado, à custa do que é público”.

Na primeira carta minha sobre este assunto que o PÚBLICO teve a gentileza de publicar, já tive oportunidade de desmentir esta acusação. Apesar de inscrito na Ordem de Advogados só até 12.8.1983, nunca pus os pés num tribunal e, após a revolução de Abril, não voltei a envergar a minha velha toga. O meu tempo era pouco para governar e escrever leis. E, sobre a publicação dessa minha carta já passou tempo de sobra para que o Dr. Marinho e Pinto apagasse também a nódoa de mais esta mentira. E já que não quis fazê-lo, antes veio a referir pela rádio um suposto negócio que eu não fiz, na entrevista que deu à jornalista Maria Flor Pedroso, faço questão de lhe dar mais esta oportunidade de confirmar ou infirmar também todos os demais. Quer enumerando e caracterizando quantos e quais foram os negócios que o levaram à conclusão de que fui um “advogado de negócios”, identificando-os. Se foram assim tantos, não será difícil esse pequeno reforço. Esta acusação, na referida entrevista, tentou ele reforçá-la, o que me leva a ter de pedir-lhe que não deixe de caracterizar melhor o negócio que pela rama referiu na referida entrevista, e, já agora, pelo menos os mais graves de todos os demais “negócios”.

Como já se deixa ver, o silêncio e a referida repetição da acusação sobre os negócios precisa também de um esclarecimento do Dr. Marinho e Pinto. O suposto “negócio” que referiu na entrevista à jornalista Flor Pedroso limita-se a somar uma segunda mentira à primeira. Até porque o “negócio” que mencionou, só o Ministro da Justiça socialista de então podia fazê-lo, não eu. Será que todos os outros negócios que, segundo ele, eu teria feito, têm essa mesma consistência? Espero para ver.

Uma coisa é certa: a acumulação das duas críticas, feitas a um líder político, com a nota sibilina de que eu terei feito todos esses negócios “na condição de líder político”, além “de advogado”, e “à custa do que é público”, é ofensiva até à indignação.

É pois dever do Dr. Marinho e Pinto esclarecer esse e os muitos outros negócios que disse ter eu feito. Sendo tantos, como diz, não lhe será difícil caracterizar alguns. Fico cheio de curiosidade. Fica a bola no terreno dele, para que se fique a saber qual de nós mentiu grave e conscientemente.

Ex-ministro e ex-presidente da Assembleia da República

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