Carrilho recusou votar em Farouk Hosny para secretário-geral da UNESCO

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Carrilho recusou comparecer na eleição PÚBLICO (arquivo)

O embaixador português na UNESCO, Manuel Maria Carrilho, não aceitou as instruções do ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE), Luís Amado, para votar no candidato egípcio a secretário-geral da UNESCO, o que obrigou o Governo de José Sócrates a fazer-se representar por um diplomata do MNE naquela que foi, ontem, a quarta ronda para a eleição do sucessor do japonês Koichiro Matsuura.

O polémico candidato egípcio, Farouk Hosny, ministro da Cultura do seu país há 22 anos, acabou por empatar com a única outra candidata que ainda se mantém na corrida, a búlgara Irina Bokova, ex-ministra dos Negócios Estrangeiros e actual embaixadora da Bulgária em França, no Mónaco e na própria UNESCO.

Portugal decidiu apoiar a candidatura egípcia, uma decisão que Carrilho procurou contrariar, tendo acabado por se recusar a comparecer na eleição. O ex-ministro da Cultura, que fez parte de um grupo de embaixadores que tentou, sem sucesso, patrocinar a candidatura de Al Gore, não quis ontem a comentar a sua posição, mas é de crer que tenha alegado razões de consciência para não votar em Hosny, um político acusado de praticar abertamente a censura no seu país, e que ainda recentemente afirmou que queimaria pessoalmente todos os livros israelitas que encontrasse na Biblioteca de Alexandria.

O PÚBLICO contactou o MNE, que, até à hora de fecho do jornal, não esclareceu, ou sequer confirmou, o apoio a Hosny, que poderá ter ficado a dever-se à expectativa de que Portugal possa vir a contar com o apoio do Egipto na sua candidatura a membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para o biénio 2011-2012. Curiosamente, um dos países que já asseguraram que sustentará esta ambição portuguesa foi a Bulgária, cuja candidata à liderança da UNESCO teria sido eleita já ontem, caso Portugal não a tivesse preterido em favor de Farouk Hosny.

A eleição começou com nove candidatos e, ao longo das quatro primeiras rondas, Hosny foi sempre aumentando a sua votação. Na terceira ronda tinha tido 25 votos, contra 13 de Bukova, 11 da austríaca Benita Ferrero-Waldner, cuja candidatura era prejudicada por ter sido ministra dos Estrangeiros do governo de extrema-direita de Jörg Haider, e nove da equatoriana Ivonne Baki.

Ferrero-Waldner e Baki retiraram as suas candidaturas - a última desistiu ontem em cima da hora -, de modo que se esperava que a eleição ficasse resolvida já nesta quarta ronda. Mas os 58 membros do Conselho Executivo da UNESCO acabaram por dar exactamente os mesmos votos (29) a cada um dos candidatos, o que obrigou a uma nova ronda, que terá lugar hoje. Se o empate se mantiver, será um sorteio a ditar o nome do próximo secretário-geral da organização.

Se Bokova ganhar, será a primeira vez que um político oriundo do Leste europeu - divisão que ainda se mantém na organização administrativa da UNESCO - irá dirigir a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

Apoiado pela Liga Árabe, pela Organização da Conferência Islâmica e pela Organização da Unidade Africana - ainda que esse apoio não implique necessariamente o voto dos países que integram estas instituições -, Hosny conseguiu ainda seduzir o Brasil, cujo Presidente, Lula da Silva, se recusou a patrocinar a candidatura do seu compatriota Márcio Brabosa, actual director adjunto da UNESCO.

Conhecido por recorrentes declarações anti-semitas, das quais se tem procurado desculpar nos últimos meses, e por censurar livros, filmes e órgãos de comunicação social, Hosny tem sido atacado por grupos de activistas judeus, mas também por muitos intelectuais europeus. Na União Europeia, tanto quanto o PÚBLICO conseguiu apurar, só o Governo italiano de Berlusconi, além do português, votou ontem no candidato egípcio.

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