Candidatos (não) presidenciáveis

Marcelo Rebelo de Sousa é o único candidato natural que se apresenta. É o candidato natural da direita.

A inquietação da campanha eleitoral é provocada pelo perfil e pela atitude das dez pessoas que conseguiram ver aceite pelo Tribunal Constitucional as assinaturas que a lei impõe para aparecerem no boletim de voto da eleição do Presidente da República. Tirando o casos de cinco cidadãos que usam as eleições de 24 de Janeiro para resolver problemas de afirmação de ego – isto na versão benevolente – há cinco candidatos com substância política na sua propositura eleitoral ou no seu passado e origem: António Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva, Marcelo Rebelo de Sousa, Maria de Belém Roseira, Marisa Matias.

Mas nenhum destes candidatos se apresenta a esta eleição com a gravitas e com o perfil de Estado que o país está habituado a ver naqueles que têm ocupado o primeiro órgão de soberania. Uma situação agravada pelo facto de esta eleição decorrer num momento em que o sistema político de governação está a sofrer profundas mudanças. O modelo baseado no arco da governação foi, pela primeira vez, substituído por um entendimento à esquerda que suporta um Governo minoritário do PS. Esta mudança está ligada a uma radicalização ideológica inédita desde 1975. Radicalização que começou à direita, em 2010, com a eleição de Passos Coelho como presidente do PSD e continuou à esquerda com a ascensão de António Costa a secretário-geral, em 2014. Ora quando o país começa a interiorizar as mudanças no sistema político que trazem oposição clara de projectos e de ideias e confronto ideológico, no palco eleitoral surgem candidatos sem chama de combate nem gravitas de Estado.

António Sampaio da Nóvoa não tem passado partidário. Deixou-se enredar na expectativa de um eventual apoio do PS que António Costa, por muito que gostasse de fazê-lo, não pode dar-lhe, sob pena de partir o partido. E criou a imagem de candidato que o PS enjeita. É certo que foi reitor da universidade de Lisboa entre 2006 e 2013 e que isso lhe deu experiência da gestão de pessoas e de exercício de poder. É verdade também que é um homem culto, um académico. É verdade ainda que muito do seu discurso tem preocupações actuais, como a prioridade que dá ao Conhecimento, aos Direitos Humanos e à Igualdade. Mas o tom discursivo que adoptou desde o início deixou-o ficar envolto numa espécie de folclore abrilista de uma esquerda antiga e gasta.

Edgar Silva aparece como um funcionário do PCP destacado para cumprir uma missão e partidária. Existe apenas enquanto forma de o PCP ocupar o seu território partidário e usufruir da visibilidade da campanha. De si, o candidato apenas transmite a imagem de falta de preparação política. Conseguiu mesmo até agora fazer uma das mais polémicas afirmações nesta campanha, pelo fundamentalismo que representa, que apenas passou despercebida porque andamos todos distraídos. Disse ele na entrevista ao PÚBLICO: “É impossível – ou não deveria ser possível – ser cristão sem ter compromisso político.” (17/11/2015)

Marcelo Rebelo de Sousa é o único candidato natural que se apresenta. É o candidato natural da direita, que como líder do PSD protagonizou uma série de vitórias políticas face ao primeiro-ministro António Guterres: a última grande revisão constitucional e dois referendos que adiaram o que então pareciam duas inevitabilidades legais, a despenalização do aborto por uma década e a regionalização até hoje. Tem o demérito de nunca ter disputado legislativas porque se demitiu depois de ver o caso Moderna envolver com suspeitas Paulo Portas, com quem tinha negociado uma coligação eleitoral, que impusera ao PSD. Quando percebeu que os “santos” políticos de Passos Coelho não cruzavam com os seus, optou por uma atitude de campanha baseada no seu perfil de comentador televisivo e enveredando por um duvidoso estilo populista e até popularucho, que lhe tira qualquer gravitas que a política e a universidade lhe deram antes. Sem debater uma ideia, sem ir a jogo, como se devesse ser Presidente por direito divino.

Maria de Belém Roseira surgiu como candidata numa lógica de guerra interna dentro do PS. Subiu a parada da discussão do perfil pessoal na campanha ao investir o seu “carácter” nos cartazes e defende-se dos que apontam as suas contradições e ligações passadas como se fossem ataques à honra pessoal. Mais. Defende-se, alegando que é especialmente escrutinada por ser mulher, tentando assim rentabilizar politicamente de forma subliminar a condenação do machismo.

Marisa Matias é a candidatada do BE que, tal como o PCP, optou por marcar o seu terreno político. A diferença é que Marisa Matias é uma política de primeira água e de superior qualidade. E tem marcado a campanha de forma clara na defesa dos interesses do BE. Além disso tem sabido reagir com dignidade a uma vil, sórdida e boçal campanha sexista contra si, que tem mostrado o lado mais reles do machismo de lúmpen.

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