Bruxelas admitia que Portugal e Espanha tinham de pedir resgate em 2011, revela Zapatero

Confidência foi feita ao então chefe do Governo espanhol por Durão Barroso, referindo-se a estudos dos técnicos da Comissão Europeia.

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O ex-líder do Governo espanhol não poupa elogios a Sócrates: "Um bom dirigente político" Nuno Ferreira Santos

Bruxelas admitia que Portugal e Espanha tinham de pedir resgate em 2011, revela o antigo presidente do Governo espanhol, José Luís Rodriguez Zapatero, no livro El Dilema – 600 dias de vértigo publicado há uma semana.

Ao longo de mais de 400 páginas, Rodriguez Zapatero aborda os tempos da crise: de 12 de Outubro de 2008, a reunião dos chefes de Estado e do Governo do Eurogrupo no Palácio do Eliseu, em Paris, convocada por Nicolas Sarkozy, a 20 de Novembro do ano passado, quando Mariano Rajoy venceu o socialista Alfredo Pérez Rubalcaba nas legislativas e sucedeu a Zapatero.

A inevitabilidade de Madrid e Lisboa terem de ter a mesma sorte que Atenas ou Dublin foi comunicada ao premier espanhol por Durão Barroso. Foi no Conselho Europeu de Dezembro de 2010 que o presidente da Comissão lhe avançou esse vaticínio. “Durão Barroso contou-me, num desses momentos de conversa sincera que tinha com ele, que os técnicos da Comissão pensavam que Portugal e Espanha teriam que pedir o resgate em 2011”, relata.

Rodriguez Zapatero conserva boas recordações do português à frente da Comissão. “Sempre tive em Durão um bom aliado na defesa de Espanha. Também, como é lógico, defendeu até ao fim a capacidade de Portugal para sobreviver”, afirma.

Ao seu homólogo português de então, José Sócrates, Zapatero não poupa elogios. Refere que o antigo primeiro-ministro português apoiou uma eventual candidatura de Felipe González a presidente do Conselho Europeu. Uma tentativa que, contudo, se frustrou pela negativa de concorrer ao cargo do histórico dirigente socialista espanhol.

“José Sócrates, um bom dirigente político, uma pessoa que vi resistir desesperadamente nas semanas prévias ao pedido de ajuda”, recorda de quem chefiava o executivo de Lisboa: “Falei com ele numerosas vezes e também pus ao seu lado as forças de que dispunha para evitar o resgate do país vizinho.”

Em Madrid, as vicissitudes porque passavam as autoridades portuguesas, eram acompanhadas com intensidade. “O facto de viver tão próximo a sua resistência, a sua luta e angústia só fez aumentar em mim o receio de que o nosso país se encontrasse numa situação similar”, admite Rodriguez Zapatero.

O socialista espanhol não se inibe a uma reflexão sobre o comportamento do primeiro-ministro português: “Sócrates lutou até ao final e sei que ficou com um profundo sentimento de decepção para com a UE [União Europeia]. Era um europeísta convicto e reclamou várias vezes os eurobonds que sem dúvida teriam mudado o panorama. Invocou uma acção mais decidida do BCE [Banco Central Europeu] e tratou de ganhar a confiança e credibilidade perante Merkel e Sarkozy.”

Contudo, apesar da insistência do dirigente português e das suas démarches, não foi possível evitar o resgate. “Depois, a evolução económica e social de Portugal veio confirmar que um programa de resgate é um longo e escuro túnel”, pondera Zapatero. Nestes relatos de tempos de crise, não há qualquer referência à não-celebração, durante três anos, dos habituais conclaves bilaterais entre os dois países.

As cimeiras luso-espanholas foram interrompidas depois do último encontro em Zamora, em 22 de Janeiro de 2009, ainda com Rodriguez Zapatero e José Sócrates à frente de ambas as delegações. Só em Maio do ano passado, na Alfândega do Porto, foram retomadas as cimeiras, desta vez com Mariano Rajoy e Pedro Passos Coelho a liderar os dois executivos. Este parêntesis, não foi mero acaso. As dificuldades económicas em Portugal e o pedido de resgate, levaram os socialistas espanhóis a não querer partilhar fotos com Sócrates.

À margem destas omissões, na defesa que faz da sua gestão desde 2008 até à derrota eleitoral de 2011, Zapatero tece algumas reflexões: “É curioso observar que países como a Espanha, que deixou de ser emergente há décadas, e que se aproximava dos países com maior poder económico, tenham sofrido com maior gravidade os efeitos da crise. No mesmo caso estão a Irlanda, Portugal, Grécia e Itália.”

E continua: “É significativo observar que estes cinco países, os que maior impacto sofreram, eram os que tinham menor rendimento per capita quando nasceu o euro”, refere. “Eram os países chamados à convergência. Algo falhou no modelo do euro. Algo muito sério. O euro impulsionou a sua prosperidade e crescimento sem bases sólidas.”
 
 
 
 
 

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