Bloco tenta sobreviver ao maior combate de sempre pela liderança

Resultado da votação é tão imprevisível que - suprema ironia para um partido sem autarquias - pode estar na mão de duas plataformas locais. Ninguém enfia a cabeça na areia para subestimar o que vai sair desta convenção.

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Miguel Madeira

Começa este sábado o desempate de um “duelo” a três. João Semedo e Catarina Martins, a dois, e Pedro Filipe, sozinho, disputam a liderança do BE este fim-de-semana, naquela que é a IX convenção do partido.

Se a última, há escassos dois anos, era marcada pela despedida do carismático líder Francisco Louçã, fundador e durante 13 anos o rosto principal do partido, este conclave não se adivinha menos entusiasmante. Pelo contrário. Num abismo eleitoral sem paralelo à esquerda, o BE chega hoje ao Pavihão do Casal Vistoso, em Lisboa, ainda mais fragilizado por uma disputa interna que, independentemente do resultado que será conhecido amanhã, promete dias muito difíceis para o partido.

Seis delegados de diferença (262 contra 256) ditam no arranque, uma vantagem para a lista liderada por Pedro Filipe Soares, líder parlamentar do partido. Mas as contas feitas por vários dirigentes ao longo desta semana precipitam um empate na eleição que decorrerá, sob voto secreto, para a Mesa Nacional, órgão máximo do partido entre convenções.

O resultado da votação das moções é, na verdade, tão imprevisível que - suprema ironia para um partido sem autarquias - pode estar na mão de duas plataformas locais: Moita e Vila Nova de Famalicão, que elegeram dois e sete delegados, respectivamente. As restantes três moções (A, B e R) conseguiram, em conjunto, 90, mas é menos provável que votem senão em si próprios. A diferença poderá, por isso, contar-se pelos dedos de uma, duas mãos ou pouco mais. Certezas só há uma: esta é a única convenção, em 15 anos de Bloco, em que o resultado vai ser disputado ao minuto num debate que promete, de ambos os lados, ser o mais aceso possível.

Entre dirigentes, a ideia mais vezes repetida esta semana resume-se num ganhe quem ganhar, terá que fazer um “esforço colossal” para tentar reunificar. Ou o partido desaparece. Ninguém enfia, por isso, a cabeça na areia para subestimar o que vai sair deste congresso.

As duas principais listas que concorrem reconhecem que este é um momento crucial. As eleições legislativas a menos de um ano distância são um desafio enorme para o partido que, três actos eleitorais consumados – legislativas de 2011, autárquicas de 2013 e europeias de 2014 –, não sabe o que é festejar os resultados.

Enquanto o Bloco conta espingardas, os seus dissidentes já se organizaram com uma “candidatura cidadã” para as legislativas de 2015, que inclui Livre (Rui Tavares), Fórum Manifesto (Ana Drago e Daniel Oliveira), Renovação Comunista e independentes de esquerda que, nalgumas lutas, estiveram com o BE (casos de Miguel Vale de Almeida, Pilar del Río, Rui Bebiano).

Nas duas moções que vão alimentar o debate deste fim-de-semana não há grandes desencontros. Muito menos políticos. Há algumas opções tácticas relativamente diferentes. E há uma luta pelo poder.

A moção U - Revolta cidadã para vencer a austeridade -, assinada à cabeça por Semedo e Catarina Martins, faz da questão da dívida e da austeridade o cavalo de batalha: “O objectivo imediato do Bloco é o fim da austeridade”. A moção E – Bloco plural, factor de viragem -, subscrita em primeiro lugar por Pedro Filipe Soares, privilegia a defesa da Constituição. “O centro do ataque da burguesia é à Constituição (…) O BE deve esforçar-se para tornar central essa luta contra essa revisão constitucional e pela defesa dos direitos”.

Pedro Filipe Soares acusa uma “direcção titubeante em matérias fundamentais” e uma “linha política incoerente e errática”, que contaminou o capital de confiança popular. Os culpados são o apoio à candidatura presidencial do socialista Manuel Alegre e a moção de censura “a brincar” ao governo de José Sócrates, em 2011, quando Semedo e Catarina Martins ainda tinham que esperar um ano para conquistar a liderança.

O mais recente tiro no pé, na opinião do líder parlamentar, foi ter batido à porta do PS para negociar um governo de esquerda “sem condições”, na sequência da crise política de Julho do ano passado e já depois dos socialistas terem subscrito o Tratado Orçamental. Agora, “os desafios são enormes”, urge romper com um “ciclo de derrotas eleitorais e regressar à identidade do partido, à “promessa inicial” do Bloco que é “nada esperar do PS e não ficar à espera do PCP”.

Os ainda coordenadores reconhecem que o Bloco “atravessa dificuldades que importa ultrapassar e que é “relevante” analisar que algumas têm “raiz nas próprias escolhas das direcções políticas ao longo do tempo”. Exemplos: Apoio a Alegre e moção de censura a Sócrates, que foram interpretados por muitos como “decisões contraditórias e erráticas”. No entanto, acreditam, “não se recupera a confiança de muita gente que acompanhou o Bloco criando divergência internas num passado onde, afinal, houve consenso maioritários”. Apostam na ”renovação do grupo parlamentar” e respondem com a necessidade de maior “irreverência” no discurso.

Apesar deste pequeno separar de águas, há um vasto território comum aos dois documentos: Reestruturação da dívida; nem mais um sacrifício pelo euro; referendo para rejeitar o Tratado Orçamental; reforma laboral e fiscal; defesa do Estado Social; exclusividade dos deputados; criminalização do enriquecimento ilícito; combate à corrupção; paridade de género; direitos dos imigrantes; saída de Portugal da Nato; referendo interno para candidato presidencial.

Alianças sem anéis
Para dentro e para fora, a questão da política de alianças foi sempre o calcanhar de Aquiles. Mesmo quando o partido deu sinais de estar interessado em acordos, eles nunca saíram do campo das intenções. Agora, a política de alianças parece outra vez uma história sem anéis, ou seja, dizem que são necessárias jóias, mas ninguém é capaz de apontar dedos.

De um lado, os actuais coordenadores continuam a afirmar a necessidade de “um pólo unido à esquerda para derrotar a austeridade”. Mas descartam o PS. Numa resposta enviada ao PÚBLICO, afirmam que, “pelo passado e pelo que já se conhece de António Costa, o PS não se afasta das políticas de austeridade nem rejeita as posições do Tratado Orçamental”.

Estas opções, acrescentam, “impedem-no de ser parte de uma alternativa de esquerda”. E desfaça-se a ilusão de quem acredite que podem sentar-se à mesa com o Livre. “A identidade do Livre tem sido construída e afirmada em torno do estabelecimento de um acordo de governo com o PS. Tudo o resto se sacrifica àquele objectivo. Esta opção não reforça a esquerda nem contribui para uma saída de esquerda”, afirmam ao PÚBLICO.

Do outro lado, os apoiantes de Pedro Filipe Soares escrevem parecido: “O PS escolheu livremente o caminho do Tratado orçamental, da mesma forma que no passado escolheu os PEC’s e os pacotes de privatizações”. Embora reconheçam que os socialistas dialogam com alguns sectores de esquerda importantes, consideram “errado desejar que o BE possa adornar um governo a 'la Hollande'”.

Mas o PCP e o Livre também não servem. O Livre porque apresenta como projecto um governo com o PS a liderar. O PCP porque, apesar das lutas importantes contra a austeridade, continua a “branquear regimes opressivos” ou a “absolver” o regime chinês de “censura e ditadura”.

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