Bloco quer proibir banca de ter participações fora do sector financeiro

Partido apresentou um pacote de oito medidas para aumentar a transparência na banca. Propostas são ensinamentos da comissão de inquérito ao BES.

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Mariana Mortágua diz que a posição do Governo não faz sentido Enric Vives-Rubio

O Bloco de Esquerda quer que as entidades financeiras sejam proibidas de ter participações qualificadas em sociedades ou conglomerados não-financeiras, e que sejam obrigadas a revelar toda a cadeia e beneficiários últimos com participação no seu capital. Também propõe um reforço dos poderes dos reguladores para a retirada da idoneidade a banqueiros.

Estas são duas das oito medidas que os bloquistas apresentaram esta segunda-feira e que se destinam a dar mais transparência e credibilidade ao sistema bancário. As propostas, que estão a ser ultimadas e que darão entrada no Parlamento em breve, decorrem de sugestões e críticas deixadas na comissão de inquérito ao BES, em especial pelo presidente da CMVM e pelo governador do Banco de Portugal, especificou a deputada Mariana Mortágua.

São oito medidas distribuídas por três áreas essenciais: evitar a promiscuidade entre sector financeiro e não-financeiro, aumentar a transparência nas relações e operações da banca, e reforçar a protecção de clientes e os poderes dos reguladores, enumerou Mariana Mortágua. São feitas diversas alterações ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e ao Código dos Valores Mobiliários.

“Introduzimos alterações à lei proibindo participações cruzadas com sociedades ou conglomerados não-financeiros. (…) O objectivo é acabar com relações claramente de promiscuidade que levam a que o banco privilegie uma empresa mesmo que esta não tenha as condições necessárias para essa relação financeira, em detrimento de outras empresas”, explicou a deputada, lembrando como a PT privilegiou o BES porque era seu accionista e o BES que financiou o GES “mesmo quando este já estava mais do que falido”.

Considerando uma premissa “inovadora” em Portugal, a bloquista realçou que desde o final do século XIX que as regras já são assim nos Estados Unidos. Além de simplificar as estruturas, a medida também protege a concorrência entre bancos e entre as várias empresas na economia. A solução passaria por dar um prazo para que os bancos e as empresas que neles tenham quota alienassem essa participação

Na área da transparência, o Bloco propõe que os bancos sejam obrigados a revelar quem é o beneficiário último de uma participação na sua estrutura.

Negócios só com offshores cooperantes
São também reforçadas as restrições às operações com offshores. Actualmente os bancos não podem conceder crédito a empresas em offshores ditas não-cooperantes (que não têm acordos de troca de informação ou de transparência) e não podem conceder crédito a entidades cujo beneficiário último não é conhecido. O BE reforça esta norma querendo que se proíba qualquer transferência ou operação para um offshore que não tenha acordo de transferência de informação ou para uma entidade cujo beneficiário último não é conhecido.

Os bloquistas defendem também que um banco seja proibido de vender aos seus balcões dívida própria ou de empresas com as quais está relacionado. E que todas as colocações de dívida, sejam públicas ou privadas (esta para menos de 50 pessoas), fiquem sujeitas à supervisão e fiscalização da CMVM. A intenção é evitar casos como os dos aforradores do BES que acabaram por ficar sem o seu investimento.

Outra medida para aumentar a transparência é ter os revisores oficiais de contas e os auditores externos nomeados pelo Banco de Portugal e pagos pelo Fundo de Resolução em vez de serem escolhidos pelo próprio banco fiscalizado. Uma questão que poderia ser facilmente alterada com “urgência”, diz Mariana Mortágua.

No caso da idoneidade dos banqueiros, o Bloco propõe uma clarificação das situações em que o regulador pode “retirar um banqueiro da frente de um banco quando achar que isso é necessário para garantir a estabilidade e protecção dos clientes”. Quando, por exemplo, “há claramente indícios de que esse banqueiro põe em causa a estabilidade, que fugiu ao fisco, ou não tem capacidade para gerir um banco”, descreveu Mariana Mortágua.

“Para lembrar quem não se lembra”
Admitindo que estas medidas “não resolvem todos os problemas do sistema financeiro”, a deputada bloquista que tem sido uma das mais activas na comissão de inquérito acredita que se tais regras já estivessem em vigor “muitos dos problemas que se verificaram no BES e que atingiram os clientes do BES não teriam tido lugar”. Pelo que tem ouvido dos outros partidos durante os trabalhos da comissão, Mariana Mortágua acredita haver um “consenso alargado” sobre a necessidade de introduzir maior regulamentação ao funcionamento dos bancos.

“Discute-se muito durante as crises financeiras mas faz-se muito pouco a seguir às crises financeiras para evitar que elas voltem a acontecer”, criticou a deputada, defendendo ser o momento para esta discussão na sociedade portuguesa.

Antes, a porta-voz do Bloco, Catarina Martins, realçou o facto de nos últimos seis anos o Estado ter tido necessidade de “salvar seis bancos, três deles em contexto de fraude”, e todos eles “foram sempre apresentados como casos isolados”. “Hoje, estes ‘casos isolados’ são os bancos mais relevantes do nosso país – BPN, BPP, BCP, Banif, BPI, BES. No entanto, a fragilidade do sistema financeiro permanece, assim como a dívida financeira da banca privada, superior a 137 mil milhões de euros.”

O Bloco quer assim “lembrar quem nunca se lembra”, ironizou Catarina Martins numa referência às sucessivas respostas de alguns responsáveis do BES, GES e PT na comissão de inquérito. “Mais do que mudar a memória, queremos garantir que no futuro não vamos depender da memória de administradores ou banqueiros. Vamos evitar que essas pessoas tenham um conjunto de práticas que prejudicam a sociedade, contribuintes, clientes dos bancos. E evitar que precisemos da memória para saber o que se passou e para apurar responsabilidades”, acrescentou depois Mariana Mortágua.

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